A Casa da Praia

Lucia Green
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJan 19, 2024
Photo by Pedro Kümmel on Unsplash

Pensar nas férias sempre me leva para a casa da praia que meu avô construiu para reunir os quatro filhos e todos os netos. A casa da praia ficou pronta quando eu completei três meses de vida e até hoje abriga os verões da família, mesmo que meu avô não esteja mais.

Casa cheia, cheiro de pão fresco comprado na padaria aos quilos. Aliás, pão nunca faltava e podia ser encontrado na travessa que ficava no meio da mesa da sala, na bancada da cozinha ou dentro do armário. Minha família é feita de água, farinha e fermento.

São sete quartos, quatro banheiros, uma cozinha capaz de servir um batalhão e da sacada se pode ver o mar. Toda vez que alguém chega tem que sair do carro para abrir o portão pesado de madeira da garagem, prestando atenção para uma possível fuga do cachorro de alguém. E tem que limpar os pés no chuveirinho se eles estiverem cobertos de areia antes de entrar na sala.

Das férias que vivi na casa da praia, lembro dos bolinhos de chuva que minha irmã preparava, do bolo peteleco que os primos insistiam para a minha tia fazer, de querer ser dupla da minha prima mais velha na canastra, do assovio do meu tio, de chegar de madrugada e encontrar meu primo fazendo torrada na cozinha, de usar a janela ao invés da porta para entrar e sair quando eu era criança e nas fugas noturnas da adolescência. Meus verões foram feitos de feijoada no Domingo de Carnaval e cheiro de casa lotada.

A compensação chegava depois de percorrer 130 km de estrada, quando na chegada era feita a distribuição dos quartos para a temporada. Assim que determinado onde eu dormiria, era a hora de abrir o armário para deixar o cheiro de mofo sair e tirar as roupas da mala. Consigo ouvir a música escolhida para tocar no aparelho de cd portátil que me acompanhava da capital ao litoral, e sentir a feliz sensação de organizar minhas coisas sabendo que teria muitos dias de mar e páginas do Almanacão de férias da Mônica pela frente.

Minhas melhores férias foram experiências de convívio coletivo dividindo banheiro com chuveiro elétrico que dava choque e a constante necessidade de entrar em consenso para assistir televisão. Foi na casa da praia que passei 20 dias restrita ao sofá com pé engessado por conta de ter caído do calçadão de bicicleta e pra onde eu caminhei sozinha com o joelho rasgado por caco de vidro escondido nas dunas de areia — a cicatriz não deixa esquecer que água do mar cura as dores intensas e que ter um lugar que reúne tanta memória, doce e salgada, é prerrogativa de uma vida abençoada.

Minhas Ferias| Janeiro 2024

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