A casa está suja

Minha casa está suja. Há vários anos. E não consigo limpá-la. Micro-organismos ocupam os espaços. Buscam restos de alimentos em arestas. Devoram. Deixam sequelas. E eu não consigo expulsá-los. Fico inerte. Apesar das facadas no ventre. Da imundície dentro de mim. Nos meus intestinos grosso e delgado.

Sofro de prisão de ventre desde criança. Mamãe fazia para mim saladas de couve cozida e me dava para comer laranjas com bagaço. Mesmo assim, não resultava. E era obrigada a colocar supositórios de glicerina. A dor era terrível.

Na adolescência, descobri o mamão com sementes. Fruta maravilhosa! Me salvou por anos. Também acho que fui mais rebelde a partir dessa fase. Coloquei as minhas emoções para fora. Dancei. Cantei. Soltei tudo o que tinha dentro de mim. Meu corpo gostou. ( Não, não foi só o santo mamão!)

Tudo voltou a se complicar depois da maternidade. Lá vou eu me enfezar com a maternidade outra vez! É que tudo mudou aqui dentro, sabe? Na primeira casa de meus filhos. Quando ela voltou a ser só minha, estava suja. Bagunçada. Destruída.

É como disse. Há anos, tento colocá-la em ordem. Já tentei yôga e meditação. Terapia. Dois litros e meio de água por dia. Frutas e verduras. Dieta sem glúten. Sem lactose. Sem prazer. As mudanças no lar agradam meu corpo. Por um tempo. Depois ele volta a ser minha casa de pedra.

Há alguns meses, fui diagnosticada com uma doença autoimune ligada ao intestino. Sim, minha casa quer implodir. Preciso fazer alguma coisa. Expulsar os invasores. Limpá-la. Reencontrar a criança que sofreu nela. E a jovem que se rebelou para salvá-la. Mas hoje sou uma mulher de meia idade. De meias-palavras. Não sei se consigo. Voltar a ser quem fui.

Dezjuliaex1