A ciência do arrepio

Marina C. Leonel
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readOct 25, 2023

A ciência é clara: o arrepio é inútil.

Já se foi o tempo que eriçávamos os pelos do corpo para aumentar de tamanho e ameaçar o inimigo. Além disso, se temos frio, podemos tremer — uma resposta mais eficaz.

Mesmo assim, os minúsculos músculos por baixo da pele teimam em contrair, levantando os pelos nas mais diversas situações. Uma herança que resiste até hoje. As causas podem até ser diferentes, mas o mecanismo é o mesmo há milhares de anos. É a Senhora Adrenalina tomando conta. Primitiva e indomável desde sempre.

O giz arranhando a lousa, a unha arranhando metal. Talher raspando no prato, no dente, na panela. O desespero pela barata voando em sua direção. A dose de cachaça que desce queimando a garganta. Trocar as bandagens de uma ferida pútrida. Ouvir seus filhos te chamando no meio da madrugada.

Ou, ainda, ouvir uma pessoa cantando incrivelmente bem. Sentir na pele aquele solo incrível de guitarra ou de uma orquestra ao vivo. Ver uma noiva entrando na cerimônia, olhando para o seu futuro esposo. Chegar na Disney pela primeira vez e assistir ao show de fogos no castelo. Receber uma notícia muito feliz ou um beijo no pescoço da pessoa que você gosta. Se envolver com uma cena de filme até entrar dentro da tela. Se emocionar na presença do Santíssimo Sacramento ou de um gesto de solidariedade.

Para a Adrenalina não importa se a emoção é boa ou má. Fato é que ninguém consegue escondê-la. O arrepio deixa transparecer a emoção que estamos sentindo naquele momento, sem reservas. Do jeitinho que ela é. Para mim, isso é reconfortante.

Em um mundo que gostamos de controlar todas as medidas, dos batimentos cardíacos até a quantidade de passos dados em um dia, gosto de pensar que ainda tem espaço para nos deixarmos levar por uma emoção avassaladora. Nos envolvendo por inteiro, seja por medo, aflição ou alegria. Até porque, vamos ser sinceros, tem coisa melhor do que sentir um arrepio de emoção boa?

Então, Dona Ciência que me desculpe. Se depender de mim, a herança do arrepio continuará a ser transmitida.

Desejo que minhas próximas gerações possam experimentar todo o encantamento desse involuntário calafrio. E que não faltem momentos que transbordem felicidade marcados por um inútil arrepio.

Esse texto foi escrito para a Comunidade da Escrita Afetuosa
Alvorada — módulo 2 exercício 2
Escrever a partir de algo que lhe cause arrepio

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