A guardiã de intimidades

Maru Chiquinha
Comunidade da Escrita Afetuosa
1 min readMay 13, 2024

Eu sou uma gaveta simples e pequena. De cima pra baixo, sou a primeira, numa fileira de três. Juntas, compomos um roupeiro branco, de tamanho quase infantil, feito de um tipo de madeira processada. Não vim pra esta casa por ser o sonho de consumo de alguém. Não, vim pra auxiliar o casal, enquanto se organizam com relação a algumas coisas. Eu quis ficar triste por não ser desejada, só útil. Besteira! Foquei no trabalho. Sou guardiã de intimidades. Na prática, eu guardo calcinhas. Que luxo, meu trabalho! Num mundo onde gavetas guardam qualquer coisa, proteger as peças mais íntimas de um guarda-roupa feminino é privilégio. Sem falar que, em função disso, recebo constantes cuidados.

Minhas hóspedes pertencem a uma mulher madura, que está acima do peso. Aí já viu: são fora do padrão. No tamanho, no formato, na cor. A maioria é bege. Um mundo bege mora em mim. Uma canseira aos olhos. Fora essas, só umas poucas rosas, florais…

Gente por vezes perde a noção das coisas. Esses dias me encheram tanto, que senti sufoco. Fiquei abarrotada, deselegante. Pensei em protestar. Dar uma emperradinha, soltar o fundo… só pra sinalizar meu desagrado. Mas ignorei. Minha situação poderia ser pior. Já pensou se eu precisasse cuidar também dos sutiãs, dos shortinhos, das meias, dos lenços e até das cuecas?

Pra mim, tudo que existe tem uma missão. A minha é abrigar e proteger calcinhas. Uma tarefa honrosa, que me faz bem.

M. C — 13.05.2024

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