A pior imagem no melhor espelho
Coube a mim contar esta história. Não saberá nada a meu respeito, apenas o que eu vi.
Foi a última vez que Aurora entrou naquela casa. Ela sabia. Manhã nublada, nuvens baixas. Tempo propício. Era preciso ir, sozinha dessa vez. Impossível adiar mais.
Quando a porta foi aberta, entrou. Piso escuro desgastado, sofás velhos cobertos com mantas de algodão puídas, grades enferrujadas nas janelas, uma parede de pedras cinzas na sala de jantar. O pior lugar da vida de Aurora. Nunca mais veria aquela pessoa.
Não trocaram palavras, havia emudecido ao entrar. A mulher lhe disse que faria um café, que se sentasse. Na mesinha ao lado do sofá havia um relógio daqueles antigos, redondo com pezinhos. Dez.
Uma voz a chamou.
- “É chegada a hora”. Era o relógio.
Olhou de volta para ele, curiosa.
- “O que você sabe sobre isso?”
- “Quero te ajudar no que veio fazer aqui. Nesta casa, sentimos algo semelhante ao que você sente”.
- “Não vim fazer o que desejo, só dizer umas verdades e tchau”.
- “Escute, Aurora, com atenção: não perca esta oportunidade. Hoje é o dia em que tudo é possível. O que acontecer ficará encoberto, amanhã a chuva lavará os rastros”.
Segundos de espanto.
Ele prosseguiu. Que Aurora escolhesse um objeto da casa, que executaria o que ela determinasse.
Olhou pensativa.
- “O café está vindo com a mulher. Ao decidir, me diga”.
Aurora só falou amenidades. Não daria nada de si, nem adeus. Vinte. Minutos. Foi o que suportou naquela presença.
- “Já vou”.
Disse bem baixinho ao inquieto relógio: — “Escolhi o espelho e desejo que ele seja o melhor espelho que puder, todos os dias”.
É vingança bastante para mim, pensou. Ter que se olhar.
Nunca mais viu a bruxa, que continuou a se assustar todos os dias.
Poente, módulo 2, exercício 2 — Escrever a partir de um sentimento pouco nobre