A simplicidade do ser.

Ana Carol Papa
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readJan 15, 2024
Vista do Litoral de São Paulo pela Serra da Anchieta.

Paula era a filha da professora. Nosso convívio era de amor e guerra. Ora melhores amigas, ora ódio mortal. Na metade da oitava série, já em ritmo de despedidas, éramos melhores amigas.

Sua mãe, Maria Antonieta, nos ensinava Artes. É incrível o peso que um nome traz a uma pessoa. Para mim era autoritária como uma realeza, nariz empinado, olhos azuis, corpo de nadadora. Frequentávamos o mesmo clube recreativo de final de semana — sempre fui muito observadora.

Nas férias de julho de 94, Paula me convidou para passar uns dias na casa dos avós em Itanhaém: “Vai ser divertido, meus primos de Curitiba virão, a nona cozinha como ninguém”. Nunca tinha ficado mais que um final de semana no litoral, não escondia meu estado de euforia.

Estava nas nuvens, porém pisei em terra firme ao saber que nosso motorista e guardião durante uma semana seria a professora. Cada curva daquela estrada me abria uma tela imaginária de como seriam meus próximos sete dias. Escravidão, censura e toque de recolher.

A praia sempre foi um lugar mágico para mim. É como se as montanhas servissem de estufa mantendo a temperatura sempre acolhedora como um cobertor no inverno. Eu era uma típica adolescente melodramática e, por isso, desci a serra rezando para que o sal daquelas águas lá embaixo purificassem a alma da rainha para não condenar as nossas férias.

Na chegada, um o véu rasgou-se à minha frente. Como se aquela maresia que perfumava o ar e umedecia nossos cabelos também tivesse derretido a imagem rococó da monarca. Os primos a chamavam de tia Tonêta, o nôno quase a pegou no colo ali na calçada mesmo — e eu observando.

Na mesa do almoço que já nos esperava, vieram as primeiras ordens: “Paula e Ana ajudem com a louça, depois carreguem suas malas para o quarto à direita, os meninos vão ficar com o da esquerda.” — deveria ter trazido aquele conjuntinho listrado de preto e branco que estava na moda naquela época, cairia como um uniforme naquele calabouço.

Pura ilusão. Tia Tôneta usava shorts e camiseta. Andava descalça, sentava no chão. Ria, dançava, pulava ondas. Lia livros enquanto tentávamos andar de scooter.

Quando Léo, soltando pipa, caiu do muro se cortando com um caco de vidro, Maria Antonieta se transformou na de Nazaré, pegou o menino no colo e me entregou a responsabilidade de cuidar dos outros enquanto ligava o carro.

Na teimosia de Paula, virei sua confidente: “Queria que ela fosse mais responsável como você”. Naquela semana, descobri uma mãe amiga, uma tia protetora e um ser humano inseguro e frágil como qualquer um de nós.

Depois da formatura, cada um seguiu com sua vida e o tempo distanciou nosso convívio. O que aprendi na praia não veio impresso nos diplomas que recebi desde então. Mas ficou marcado no coração. A professora havia me dado a maior lição da minha vida.

Quinze anos depois dessa experiência, sentei-me ao lado de um homem que chorava muito na igreja. Era o pai da Paula. Infelizmente, o câncer transferiu a mestre para uma escola em outro plano. Toda vez que me sinto tentada a julgar alguém pela aparência, lembro-me dela.

É preciso um mar de sal para se conhecer verdadeiramente uma pessoa.

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Ana Carol Papa
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