A varanda

Bruna Bittencourt
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readJan 29, 2024

Aquela varanda tinha algo de especial. Era a parte central da casa, mesmo estando do lado de fora. Era a frente da casa branca com janelinhas azuis, por onde entrávamos todas as vezes. Meu pai estacionava o carro na frente da escada — de poucos degraus, quase sempre bastante sujos de terra e folhas que caíam das árvores em volta — e eu passava por ali já esperando o que aconteceria. Ritual que se repetia todos os dias da nossa estadia na casa dos meus avós, pais da minha mãe, que moravam num sítio no Rio de Janeiro e a quem eu visitava poucas vezes ao ano. Em geral, nas férias.

Ela não tinha nada de especial, de diferente, mas era aconchegante no seu desconforto. Estreita, só passava uma pessoa por vez por ali. Se alguém estivesse sentado, o que era o costume, tinha que se levantar ou puxar a cadeira para frente, fazendo aquele barulho de ferro pesado arranhando o chão, para que o outro tivesse espaço para passar. O chão era daqueles azulejos antigos, parecendo pequenos mosaicos feitos de losangos. Era branco, mas estava quase sempre sujo de terra e com aquele tom encardido, meio amarelado, que não se alterava, mesmo com as muitas e muitas passadas de vassoura que minha mãe, minha tia e minha avó costumavam dar.

Meu pai e eu sentávamos na cadeira de ferro com estofado marrom, um tipo meio sentado, meio recostado, quase deitado, mas que precisava do apoio dos pés na mureta logo a frente para, aí sim, ficar verdadeiramente confortável. Um ângulo de 45 graus com o corpo que fazia o olhar mirar um pouco para frente, um pouco para cima, um pouco para o nada. Às vezes para o morro repleto de verde que ficava logo a frente, a algumas dezenas de metros de distância, às vezes para as telhas quebradas do teto ou para as enormes teias de aranha que se formavam ali, em todos os cantos (e sempre perto da nossa cabeça, claro, dando o tom de emoção de que algum inseto poderia cair na gente a qualquer momento). Limpar o telhado ou desfazer as teias de aranha não eram a prioridade do meu avô, que morava ali, até porque faziam parte da decoração da casa, eu entendi depois. Na verdade, elas é que moravam ali, e eu ia de vez em quando observá-las de longe e torcer para que nenhuma caísse em cima de mim.

Logo perto da porta de entrada da casa (ou da saída para a varanda, a depender do ponto de vista) era o lugar do meu pai. Se o meu filho já existisse naquela época, diria, eu acho, que o vovô era o porteiro. Em seguida, logo ao lado, vinha eu, também sentada na cadeira igual (eram duas daquele modelo), depois minha irmã deitada na rede logo ao lado, do meu lado direito. Por ali também costumava ficar a minha tia, irmã da minha mãe, que se sentava na outra rede logo a frente. E assim se formava uma demarcação de espaço. A varanda da casa, e todos os assuntos das férias, aconteciam ali. Todas as brigas também, claro. Vira e mexe minha tia saía do conforto da rede e se colocava sentada na mureta logo à minha frente ou na minha diagonal, em geral lendo um livro ou fazendo as unhas. Era ali que eu também ficava às vezes, encostada na parede e com os pezinhos balançado cada hora para um lado, no centro da discussão familiar. Eram horas e horas de um ver nada e um fazer nada, sempre interrompidos pelo cafezinho e lanche da tarde preparados pela minha avó. Da mesa pra varanda, da varanda pra mesa. Minha mãe, em contraponto àquela dinâmica imóvel contemplativa, quase sempre aparecia com a vassoura na mão ou arrumando a mesinha de vidro, também de ferro, que ficava ali no meio do caminho, mais atrapalhando a passagem do que convidando a se sentar. Era lá que às vezes ela se sentava para dar os presentes de Natal dos meus avós, tia e primo e onde minha avó apoiava o prato de rabanadas com o café fraquinho, um “chafé”, que marcava o lanche da tarde e quase início da noite.

A gente comia mais um pouco, levantava, mexia os músculos, espreguiçava e se sentava de novo, como se não tivéssemos espaço para onde ir ou o que fazer. O enquadramento do olhar ali demarcado pelos telhados e pelas conversas, apesar daquela imensidão a perder de vista. Os dias iam passando, as horas emendando umas nas outras, a tarde caindo, a noite chegando, os mosquitos sobrevoando, as cigarras cantando… hora do banho.

Exercício 1/janeiro 24

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