Além do que se vê
Sempre troquei a palavra fé pelo verbo acreditar. Parece mais real e possível.
Acreditar — mesmo que lá no fundo — que tudo ficaria bem. Que passaríamos pelas mais diversas situações e que nenhuma delas — nem as boas — seriam para sempre. Mas que sobreviveríamos. De certo modo, a gente se convence dessa condição.
Acontece que a fé está para além disso. É um degrau acima do acreditar. Uma convocação para quem se cansou de esperar e uma condição para quem já nasceu com o coração voltado para o que não se vê… mas se sente.
Todas as vezes que eu deixo de acreditar, a fé me surpreende. Por estar além do meu controle mental e emocional, ela se mostra até com certo cinismo. Gosta de provar sua existência nas coisas mais simples.
Agora, por exemplo, escrevo olhando para um vaso de bambu japonês que ganhei da minha mãe. Até poucos dias eu achava que ele estava morto por causa das folhas queimadas. Quando fomos retirar a planta, bem perto da terra, tinha um novo caule. Verde, despontando, nascendo.
Temos mania de decretar a morte das coisas. De se esquecer que tudo tem tempo. Não percebemos que algo pode acontecer longe dos nossos olhos. E isso é fé. O que acontece enquanto a gente não vê, mas que enxergamos quando estamos dispostos.
Refleti que talvez até seja possível viver sem essa capacidade, já que a palavra fé é sempre confundida com a necessidade de uma religião. Mas que vida seria essa?
Qual o preço de uma jornada em que não contamos com o que está além do que vemos? Quantos caules saudáveis serão cortados, só porque a ponta das folhas estão queimadas?
Auroramod2ex1