Ancestralidade e tomates

Shadya Hamad
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJun 27, 2024

Texto 1:

Nesta imagem, vê-se a mão de uma pessoa segurando uma cesta de vime cheia de tomates pela alça. Pode-se dizer que há alguns quilos da fruta ali dentro.

Não é possível identificar se a pessoa que carrega o cesto seja homem ou mulher e nem sua idade.

Ao fundo, percebe-se uma plantação de tomates, alguns verdes e outros já maduros.

Texto 2:

Não me surpreenderia se meus pais contassem que esta foi a minha primeira palavra tamanho é o meu amor pela fruta.

To-ma-te.

Ah, fruta deliciosa, mal sabes o quanto me conecta aos meus antepassados.

Quando vejo a nossa família tão bem instalada em São Paulo fica difícil de imaginar que nossos ancestrais eram agricultores no Líbano no início do século XX.

Líbano, aquele país tão lindo que é do tamanho de Sergipe e que ficava a vinte e dois dias de navio daqui.

Nossos bisavós trabalhavam na lavoura e plantavam de tudo um pouco, inclusive tomates, daqueles tipos bem graúdos.

Recentemente descobri que meu bisavô morreu no campo, bem jovem, ao levar um coice de um cavalo na plantação.

A bisa estava grávida de minha avó na época e sucumbiu à tristeza — o que ela decidiu fazer quando a filha nasceu?

Chamá-la de Mohra que em árabe significa AMARGA, já que era assim que a mãe se sentiu após a morte de seu amado.

Penso no desalento desta criança ao nascer sem pai e depois ter que lidar por toda a sua existência com uma herança assim, um nome que simbolizava a depressão de sua mãe e a partida repentina de seu pai.

Com um português pouco fluente, mesmo depois de várias décadas por aqui, ela ainda é fechada e só responde o que lhe é perguntado.

Quando reflito sobre os quase noventa anos da minha sitto* vejo muito sofrimento.

Muito mesmo.

Talvez toda aquela amargura tenha sido impressa em seu DNA.

Mas neste mesmo DNA também existe força, coragem, honestidade e amor por tomates.

Ela gosta deles mais verdes e sem sal.

Já eu, sua primeira neta nascida no Brasil, gosto deles de qualquer jeito e com bastante sal.

*avó em árabe.

Texto escrito por Shadya Hamad em 27.06.24 para a aula de escrita afetuosa da Prof. Ana Holanda. Exercício 1— Escrever descrevendo e sentindo. Junex1

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