As minhas, as suas, as nossas viagens

Viajar nos anos setenta, de carro, pelo Brasil já era uma grande aventura. Ainda mais de fusca. As janelas só abriam por meio de manivelas, os bancos eram de napa e quando o sol batia esquentavam demais! Não usávamos cinto de segurança e muitas vezes íamos dormindo no banco de trás, atitudes impensáveis para os dias de hoje. Enfim nossos anjos da guarda foram fortes. O meu pai era um aventureiro nato e íamos todos os anos de Brasília para o Nordeste, enfrentando a estrada Belém-Brasília com o seu movimento intenso de caminhões.

Tudo tinha que ser muito bem programado porque não existiam boas paradas, banheiros decentes ou hotéis confortáveis. Minha mãe fazia um farnel com ovos cozidos, alguns sanduiches de pão de forma e queijo e frango com farofa. Munida do guia quatro rodas, minha mãe era o copiloto do meu pai, programando todo o roteiro. E lá íamos nós por quatro dias até chegar a Natal no Rio Grande do Norte.

Meu pai sempre dizia que a viagem começava quando entrávamos no carro e sem pressa ele dirigia fazendo as paradas para “esticarmos as pernas”. Minha mãe revezava a direção com ele e quando ela pegava a direção nós íamos ao delírio: ela tinha um pé de chumbo e nós achávamos incrível ela dirigir tão rápido. Enquanto isso o meu pai cochilava e quando acordava se assustava com a distância percorrida.

Lá pelas 18 horas meu pai parava para descansarmos. Ele não gostava de dirigir à noite. Cedinho partíamos para mais um dia na estrada. Eu e minha irmã disputávamos o banco traseiro e as brigas eram intermináveis. Me lembro de um dia em que meu pai, o rei da paciência, encostou o carro no acostamento e nos deu uma grande bronca. Ficamos como estátuas por algumas horas. Somente por algumas horas!

Quando chegávamos a Natal, íamos direto para Pirangi, onde o meu tio, irmão mais velho do meu pai, tinha uma casa de veraneio. Me recordo da cara de espanto de minha tia quando tirávamos a bagagem do carro. Era inacreditável quanta coisa cabia naquele fusca!

Eram dias maravilhosos! A casa era na beira da praia e nunca me esqueci da sensação de dormir com o barulho do mar. Muitas vezes na minha vida voltei para esses tempos, somente para ter aquela sensação de paz.

Meu pai e meu tio pescavam no mangue e traziam caranguejos para casa. Eu ia no ombro do meu pai já que era pequena demais para entrar no mangue e me arriscar a levar beliscadas dos bichos. Quando retornávamos era uma festa. Eu nunca consegui comer caranguejo, desde pequena já me afeiçoava aos bichos e era impossível comer algo que vi vivo.

Me recordo dessas viagens com muito amor. Sempre que pego uma estrada, agora em melhores condições, volto a esses dias simples em que tudo era possível e divertido.

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