Atravessamento

ME
Comunidade da Escrita Afetuosa
1 min readNov 27, 2023

Aquela viagem mudaria tudo. Ou seria só mais uma. Não dava para saber antes de ir. Poderia ser uma viagem profissional, para dar check em um “tem que conhecer ainda desconhecido” e voltar cheio de conversa, nomes e peças exclusivas. Poderia ser uma viagem de férias para um lugar lindo e despretensioso, tomar banho de rio, tirar fotos, ver o pôr do sol onde o tempo ainda passa devagar, conhecer as pessoas do lugar. Poderia ser uma viagem para tomar uma grande decisão. E lá se foi. Avião, carro, barco, barro. Nada de 4G, nada de cartão, nada 24 horas, poucas escolhas a fazer. Assim Antonio chegou desbravando o interior do próprio estado, se reconhecendo aqui e ali, explorando aquele lugar à beira do Velho Chico, ouvindo suas histórias, conhecendo Nego d’água e outros seres encantados, parando para acompanhar os pequenos rituais do cotidiano. Resolveu mesclar o profissional com o pessoal e deixar a decisão para a volta. Visitou ateliês, comprou peças, tirou fotos, mergulhou no rio, mostrou aos artesãos que sabia quem era Seu Fernando, Vanvan, Petrônio, Dedé, Aberaldo e Faguinho. Agora via suas peças em seus ateliês, de onde saíam, de onde faziam parte. Comprou um boa noite para a mãe, outro para a madrinha. E outro para emoldurar e colocar na parede.

Quando voltou à dura poesia concreta do avesso do avesso do avesso não era o mesmo. Havia sido atravessado por aquele céu, aquele rio, aqueles seres que só vivem na Ilha do Ferro. Sua decisão estava tomada: as peças iriam morar na sua futura casa nova.

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