Aurora, o carro, o início tudo
Eu nunca tive carro na vida até adquirir um junto com o meu marido. Minha mãe não teve carro, a gente fazia tudo de ônibus e metrô. Naquela época, a linha do metrô mais próxima de onde morávamos era no terminal Santana. Lembro da gente indo buscar cesta básica. Íamos de ônibus até o terminal Santana e levávamos um carrinho de mão para conseguir carregar as duas cestas que minha mãe recebia da antiga Telesp, onde trabalhava.
Quando me casei, meu companheiro já tinha um carro. Eu nunca considerei nosso. Era dele. Anos depois compramos juntos um Honda City. Aí sim consegui chamar de “meu”. Pois para comprarmos à vista, coloquei uma grana que tinha poupado. Então, esse foi oficialmente o primeiro carro que tive. Meu marido dava nome aos carros. O dele, anterior a esse, se chamava Ranho. Esse último já não lembro que nome tinha.
Quase completamos 7 anos com este, que considerei meu primeiro carro. Idade da nossa filha caçula. Nós não somos apegados com essa coisa de trocar de carro regulamente. Já fomos para tantos lugares, já passamos tanta coisa com ele, temos tantas histórias… uma delas é que batemos antes da pandemia e desde então não mandamos arrumar. E aí batemos novamente em 2022. Isso começou a me incomodar muito nos últimos tempos. Eu não gosto de ter coisas mal resolvidas, é como se travasse a vida. Já o meu companheiro é totalmente desapegado e vai levando… no final do ano eu estava tão incomodada com o carro batido que levei em uma oficina. Eu me recusava entrar mais um ano com tantas coisas mal resolvidas.
Descobrimos que a primeira batida, há uns quatro anos atrás, deu PT. Antes fosse de partido. Tinha sofrido perda total e a gente vivendo com o carro como se não tivesse amanhã. O que já me incomodava passou a incomodar muito mais. Feito pedrinha no sapato.
No último mês do ano velho, compramos o carro dos nossos sonhos. E no primeiro mês do ano novo veio o início de uma nova vida. Daquela que havíamos postergado. Sempre há esperança por tudo. Nem que seja por uma pequena mudança. Ninguém quer aceitar o início do fim.
O fim de um casamento começa quando passamos a somar as intolerâncias diárias e elas passam a resultar números infinitos. Veio o fim e ficou o carro. Agora compartilhado. Mensalmente, o financiamento se faz presente através do boleto. Está sendo difícil pagar.
Mas se tem uma coisa que faço com facilidade nessa vida, é ressignificar. Falamos sobre dar um nome ao carro novo, mas não deu tempo de fazê-lo. Após seis meses de uma nova vida, resolvi eu mesma batizar o veículo após assistir uma aula de escrita afetuosa: AURORA. Porque “Aurora significa o início de tudo”, disse a professora Ana Holanda. O princípio. As primeiras vezes de qualquer coisa. Os primeiros raios de luz da manhã.
A maior dose de coragem que tomei na vida, foi decidir sair de um casamento de 18 anos que já não me fazia mais feliz. Às vezes precisamos deixar parte de nós morrer, para outra renascer. Assim é com a aurora de um novo dia. O fim de uma relação pode ser mais sobre um novo recomeço, uma celebração pelos tantos inícios que haverá na nossa história.
Aurora é o nome do meu novo carro. E o nome desse novo capítulo da minha vida.
Comunidade Escrita Afetuosa — Aurora | Maio