Aventuras no Picadeiro

Shadya Hamad
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readJun 28, 2024

Crescemos com uma mãe que sempre amou palhaços.

Todo aniversário dos dois irmãos caçulas, tinha apresentação do Palhaço Rabanete e seu assistente.

Até já sabíamos a ordem do show:

“Olha lá, ele tirou o coelho da cartola, depois disso vai agradecer, virar de costas, sua calça cair, e a samba-canção com um enorme coração estampado no bumbum vai fazer todo mundo dar risada.”

Até que eles cresceram e o senhor de mais de setenta anos não voltou à nossa casa.

Minha mãe saudosa adora relembrar os tempos de Rabanete, e então quando o Circo Di Napoli anunciou que faria uma curta temporada em São Paulo, pensei que ela, agora avó de um garotinho de oito anos, iria vibrar em ter o neto com ela.

Chegamos e me dirigi ao caixa para comprar os baldes de pipoca enquanto ela foi procurar pelos nossos assentos no setor central. Estávamos no limite do horário.

A turminha da escola também estava lá.

Passei pela lona, as luzes já apagadas, o espetáculo iria começar.

Olho para a área designada e vejo, na última fileira de cadeiras, o meu menino em meio aos amigos dando risada.

Dividiam um balde de pipoca e riam do show do palhaço que havia começado.

Acho o meu lugar, percebo a minha mãe às gargalhadas com o homem engraçado de nariz vermelho e sapatos compridos.

Sinto um tipo de paz ao ver que ambos, avó e neto estavam se divertindo.

O legado continuava.

No intervalo, ele diz que quer ir ao banheiro.

Desesperada pergunto se ele tem certeza que precisa.

Reflito que estamos em meio a uma caravana circense, que não há sistema de esgoto encanado e que seria mais prudente esperar até chegarmos em casa.

Negativo. Não dava para esperar.

Fomos e deu tudo certo.

Achei que esta teria sido a nossa aventura da noite.

Mas Deus deve ter dado uma risadinha quando viu que este ingênuo pensamento me atravessou.

Na volta do intervalo, o garotinho bochechudo viu que atrás da lona da entrada, havia um caminho e ele, curioso do jeito que é, sentiu a necessidade de explorar para ver onde aquilo tudo daria.

Correu e correu até chegar em frente às escadas que levam ao picadeiro.

Eu na mais alta velocidade chego logo depois e já vou gritando “aí não!”

Deus então deve ter caído de rir desse meu mais puro desejo de ser ouvida.

E lá foi ele.

Em meio à escuridão, ele subiu ao palco.

As mães histéricas gritavam: uhuuu, deixa ele!

E a mãe calejada aqui só pensava em seguí-lo por onde fosse.

Avistou o Globo da Morte e entrou.

O nervosismo já começava a me consumir — era o medo que ele se machucasse somado à vergonha de caminhar em frente a uma plateia num lugar que era proibido estar.

Peguei ele com força pelo braço.

As luzes se acenderam e o show iria ser retomado.

O palhaço mais novo começa a se equilibrar na bicicleta de uma roda só e eu queria era um foguete para sumir dali.

As mães nos avistam e começam a gritar:

Maravilhoso! Ele é muito livre! Que lindo isso!

E eu cobrindo o rosto por tudo aquilo que havia acabado de viver.

Retornamos às nossas cadeiras, ele se sentindo o máximo pelo seu bravo feito.

Eu quase derretendo de tanto suar de nervoso.

Escutamos um barulho insano quando duas motos potentes invadem o show e adentram o tal globo.

Era pirueta atrás de pirueta se é assim que se chama o que estavam fazendo.

Boquiaberta mal podia acreditar na sincronia dos dois experientes pilotos.

Olhei para o lado, ele nem piscava. Devia estar pensando que acabara de sair daquele mesmo lugar radical.

Respirei fundo e me orgulhei de meu bravo feito.

Agora não posso dizer que nunca subi em um picadeiro.

Escrito por Shadya Hamad em 27.06.24 para a aula de escrita afetuosa da Prof. Ana Holanda. Escrever um texto em que a base seja uma descrição. Junex2.

Foto de Gabor Barbely na Unsplash

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