Aventuras no Picadeiro
Crescemos com uma mãe que sempre amou palhaços.
Todo aniversário dos dois irmãos caçulas, tinha apresentação do Palhaço Rabanete e seu assistente.
Até já sabíamos a ordem do show:
“Olha lá, ele tirou o coelho da cartola, depois disso vai agradecer, virar de costas, sua calça cair, e a samba-canção com um enorme coração estampado no bumbum vai fazer todo mundo dar risada.”
Até que eles cresceram e o senhor de mais de setenta anos não voltou à nossa casa.
Minha mãe saudosa adora relembrar os tempos de Rabanete, e então quando o Circo Di Napoli anunciou que faria uma curta temporada em São Paulo, pensei que ela, agora avó de um garotinho de oito anos, iria vibrar em ter o neto com ela.
Chegamos e me dirigi ao caixa para comprar os baldes de pipoca enquanto ela foi procurar pelos nossos assentos no setor central. Estávamos no limite do horário.
A turminha da escola também estava lá.
Passei pela lona, as luzes já apagadas, o espetáculo iria começar.
Olho para a área designada e vejo, na última fileira de cadeiras, o meu menino em meio aos amigos dando risada.
Dividiam um balde de pipoca e riam do show do palhaço que havia começado.
Acho o meu lugar, percebo a minha mãe às gargalhadas com o homem engraçado de nariz vermelho e sapatos compridos.
Sinto um tipo de paz ao ver que ambos, avó e neto estavam se divertindo.
O legado continuava.
No intervalo, ele diz que quer ir ao banheiro.
Desesperada pergunto se ele tem certeza que precisa.
Reflito que estamos em meio a uma caravana circense, que não há sistema de esgoto encanado e que seria mais prudente esperar até chegarmos em casa.
Negativo. Não dava para esperar.
Fomos e deu tudo certo.
Achei que esta teria sido a nossa aventura da noite.
Mas Deus deve ter dado uma risadinha quando viu que este ingênuo pensamento me atravessou.
Na volta do intervalo, o garotinho bochechudo viu que atrás da lona da entrada, havia um caminho e ele, curioso do jeito que é, sentiu a necessidade de explorar para ver onde aquilo tudo daria.
Correu e correu até chegar em frente às escadas que levam ao picadeiro.
Eu na mais alta velocidade chego logo depois e já vou gritando “aí não!”
Deus então deve ter caído de rir desse meu mais puro desejo de ser ouvida.
E lá foi ele.
Em meio à escuridão, ele subiu ao palco.
As mães histéricas gritavam: uhuuu, deixa ele!
E a mãe calejada aqui só pensava em seguí-lo por onde fosse.
Avistou o Globo da Morte e entrou.
O nervosismo já começava a me consumir — era o medo que ele se machucasse somado à vergonha de caminhar em frente a uma plateia num lugar que era proibido estar.
Peguei ele com força pelo braço.
As luzes se acenderam e o show iria ser retomado.
O palhaço mais novo começa a se equilibrar na bicicleta de uma roda só e eu queria era um foguete para sumir dali.
As mães nos avistam e começam a gritar:
Maravilhoso! Ele é muito livre! Que lindo isso!
E eu cobrindo o rosto por tudo aquilo que havia acabado de viver.
Retornamos às nossas cadeiras, ele se sentindo o máximo pelo seu bravo feito.
Eu quase derretendo de tanto suar de nervoso.
Escutamos um barulho insano quando duas motos potentes invadem o show e adentram o tal globo.
Era pirueta atrás de pirueta se é assim que se chama o que estavam fazendo.
Boquiaberta mal podia acreditar na sincronia dos dois experientes pilotos.
Olhei para o lado, ele nem piscava. Devia estar pensando que acabara de sair daquele mesmo lugar radical.
Respirei fundo e me orgulhei de meu bravo feito.
Agora não posso dizer que nunca subi em um picadeiro.
Escrito por Shadya Hamad em 27.06.24 para a aula de escrita afetuosa da Prof. Ana Holanda. Escrever um texto em que a base seja uma descrição. Junex2.