BEATRIZ

O envelhecer vem sorrateiramente, dia após dia, deixando a memória lenta, a resistência física menor e os sonhos com cores desbotadas. Parece que começamos a caminhar para o final com passos lentos. O que mais podemos esperar, quando os horizontes começam a ficar nublados? Precisam vir raios de sol, ilumina-los e aquece-los. Prazeres novos substituem os antigos e vamos nos adaptando a um novo formato, as vezes confortável, as vezes não. Mas o que pode iluminar este caminho com olhos cansados? O que pode surpreender? Esta pergunta, para mim, teve resposta, quando tive um neto nos braços. Como a vida na idade adulta recomeça com um filho, na velhice os netos são presentes, que enriquecem e iluminam o coração. Cada um traz um olhar novo, ao abrir seus olhinhos pela primeira vez, nos fazem ver cantos cuidadosamente escondidos onde ainda moram a alegria, a esperança e a renovação. Ainda é possível sorrir como uma criança? Caminhar pelo mundo do faz de conta, fazer a fantasia virar realidade? A realidade que se mistura com o faz de conta e torna tudo mágico. As crianças vivem transitando nestes dois mundos, algumas entendendo as nossas dificuldades, nos pegam pela mão e nos ensinam a brincar. Beatriz, minha neta de 4 anos é uma mestra do faz de conta. Quando ela convida para brincar, já tem os personagens e para onde quer ir e principalmente para onde te levará. Vovó, vamos brincar de escolinha? Toda a boneca imediatamente tem nomes de alunos, ela se torna professora eu, a mamãe que a leva para a escola e a sala de visitas vira classe. Naquele momento, não podemos sair dos personagens, pois para ela é realidade. Termina quando ela se cansa, então os personagens se evaporam. De repente, ela surge do quarto, transformada em bailarina e pergunta: você sabe dançar? Com seus olhinhos vibrantes e sua roupinha cor de rosa de balé, salta, rodopia e dança. Sem censura. Sentindo-se a melhor bailarina do mundo´. Cansa e vai assistir a Patrulha Canina, mas atenta ao que pode leva-la a outro mundo. Seu jeito de olhar para situações corriqueiras, também é encantador. Fomos comprar um tênis e ela se apaixonou por um que tinha um gatinho. Não experimentou os outros, não vacilou e não queria tirar do pé. Precisava de uma sandália, mas como experimentar sem tirar o tênis? Disse a ela: “segura o tênis com as duas mãozinhas e vamos experimentar a sandália, assim ninguém pega seu tênis”. Concordou, experimentou a sandália e voltou a colocar o tênis. Ensinando sempre, a relação não é de consumo é de prazer. Com a vida brotando aos borbotões em sua fala, em seus gestos e na intensa viagem ao mundo da fantasia, vou adentrando na magia da renovação e a ver a vida através dos seus olhinhos curiosos. Sou livre para ama-la sem limites, posso brincar e navegar no seu mundo, a relação não é pautada pelo compromisso de educar, ela tem pais que cuidam e educam. É pautada pela brincadeira que traz a alegria de viver, pela mãozinha que segura na minha para me levar para o mundo mágico das possibilidades. Este mundo se incendeia de alegria quando me encara com seus olhinhos espertos e verdadeiros e me diz: Eu te amo, vovó. Eu também te amo Beatriz, por dar cor e forma a minha vida que sem você é mais cinza e fria. Ziraldo, em uma de suas frases inesquecíveis, nos diz: “Adulto vive tendo saudades da vida que passou. Criança tem saudades do futuro. ” Eu só tenho saudades de você, Beatriz! Com sua magia, de transformar adulto em criança, rezo para que esta Beatriz, cheia de vida e imaginação, nunca se esconda de você. Se por acaso, isto acontecer, uma bailarina com seus movimentos suaves, a despertará e a fará dançar outra vez neste mundo rico e iluminado que você habita.

Janisse Mahalem

Franca 28 de abril de 2024

--

--