céu de brigadeiro?

Luciana Godoi
Comunidade da Escrita Afetuosa

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Não gosto da sensação de estar grávida.

Sinto como se estivesse presa em um avião por nove meses, voando sempre no breu. Olho pela janela e não vejo nada. Jamais saberia dizer se estamos indo na direção certa. Podemos estar caindo, agora mesmo, mas sou incapaz de afirmar.

Ouço barulhos. Percebo as mudanças de pressão. Quase sempre interpreto os mínimos tremores como alertas de perigo.

Rastreio as moças bonitas que usam batom e lenço no pescoço. Invejo suas unhas bem feitas, enquanto as minhas são só migalhas espalhadas pelo assento. Procuro pela segurança em suas expressões, esperando que não percam a compostura, quando uma nuvem nos derrubar por vários metros.

Aperto meus dedos, mordo meus lábios, não deixo restar uma fresta entre minhas pálpebras. Eu só quero que alguém saiba o que estamos fazendo.

Por alguns instantes me distraio.

Se vejo uma estrela, se escuto todas as palavras do piloto e elas me dizem que o céu é de brigadeiro, se a mão ao lado da minha acerta no compasso do carinho… eu quase pego no sono, ouso ler um livro, planejar os primeiros dias em terra firme.

Mas não dura. Aliás, já estive nesse voo antes, sei que será assim até que eu ouça aquele anúncio:

“Din don! Senhores passageiros, estamos iniciando nosso procedimento de aterrissagem. Queiram, por favor, retornar suas poltronas para a posição vertical”.

Enquanto estivermos aqui, a todas essas milhas e quilômetros por hora, enquanto eu mesma não puder colocar minhas mãos no manche e definir a rota, vou continuar apertando meus pés nesse chão que não existe e contando o tempo de cada respiração. Para não me esquecer de respirar.

Desculpa se não aproveito o começo da nossa jornada, meu amor. Te prometo que quando pousarmos, ou melhor, quando eu pousar meus olhos nos teus, a viagem vai ser dar mais bonitas.

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