cadê o comprimido que estava aqui?

Luciana Godoi
Comunidade da Escrita Afetuosa

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Todos os dias essa sensação de que estou esquecendo de tomar algum comprimido. Tomei o ferro às dez e vinte e não larguei nenhuma cápsula pra trás no jantar. Tenho certeza!

Mas basta prestar atenção no meu corpo, que vem a ideia de que eu deveria estar engolindo um sei lá o que com dois goles d’água.

Será que tô com saudade do anticoncepcional? Ai, eu não deveria pensar nisso enquanto tem um bebezinho dentro da minha barriga! É só que, embora cheia de amor, eu preferia já ter dado à luz e já estar novamente evitando uma gravidez (para todo o sempre, amém).

Mas também posso estar culpada pela estatina que parei.

Meu colesterol é geneticamente alto. Comecei a controlar com remédio e alguns meses depois escolhi engravidar. Claro que tive que suspender a medicação. Está tudo certo, todos os médicos me liberaram.

Está tudo certo mesmo, né? Ou eu deveria ter me consultado com os médicos do Einstein? Sírio Libanês? Cada uma dessas dúvidas equivale a um comprimido que parece faltar na minha boca e sempre sobra aquela pressa de voltar logo pro controle, do meu coração e todo o resto.

Não. Melhor esquecer tudo isso. É o Rivotril. Só pode ser! Alguma coisa pra me fazer pular os dias no calendário, virar uma deusa da tranquilidade, poder garantir que fevereiro tá logo ali e todos vamos chegar ilesos ao dia número um da nossa família de quatro pessoas.

Enfim, eu queria poder tomar todos esses comprimidos e acho que é daí que vem a sensação de estar — o tempo todo — me esquecendo deles.

Mas também quero estar bem aqui, onde o anticoncepcional não me permitiria pisar, abrindo espaço no meu corpo, esmagando um pouco mais minhas veias, pra que outra vida comece a ser, e sentindo intensamente, insanamente, ansiosamente todas as sensações de ser morada outra vez.

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