Café com choro

Deana Guimarães
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readMar 21, 2024
foto: acervo pessoal

Mamannnnnn … MAMANNNN

Atirei o pau no ga to to,

mas o ga to to,

não morreu reu reu …

Da janela da minha cozinha, escuto as músicas infantis cantadas no Berçário e Escola infantil bilíngue ao lado do meu prédio, para abafar o choro dos pequenos, que berram chamando pela mãe. Todos os dias. Me pergunto em qual idioma eles choram. E em qual idioma elas, as instrutoras, escutam.

Na beira do fogão, preparando o café da manhã, me deixo envolver pelo cheiro do café coado e pelas lembranças, doces e vívidas, do meu tempo de mãe de filho pequeno. O choro que embala as minhas manhãs, tem o poder de me levar, instantaneamente, a um lugar que carrego na memória, como um quadro eternizado por um artista. O quarto azul.

Lembro de todos os detalhes: bercinho de madeira clara, encostado na parede, ao lado da cômoda que servia de trocador. Janelas com cortinas brancas. Uma bicama forrada em tecido estampado com fundo de cor azul suave e pequenos corações brancos, que também compunha o acabamento superior da cortina. Na parede, sobre a cômoda, prateleiras com brinquedos e utensílios usados para deixar o bebê limpinho e cheiroso: algodão, lenços umedecidos, água de colônia, escova de cabelo com cerdas macias, para pentear os poucos cachinhos dourados. Da cozinha, preparando a mamadeira e as refeições da casa ouvia o choro forte do meu pequeno, como quem reivindica, de forma contundente, uma necessidade urgente.

Eu largava tudo e saía correndo para o quarto. De pé no berço, mãozinhas segurando firme a madeira que o protegia, ele olhava em direção à porta. Usando um macacão azul da cor do céu, no limite do seu tamanho, cabelos loiros, ainda ralos, o rosto banhado de lágrimas, com a fralda pesada de xixi, esperava ansioso por socorro. Seus olhos apertados pelo choro me comoviam e tudo o que eu queria era abraçá-lo para sempre.

Meu coração se enchia de um amor infinito, que transborda até hoje, incessante. Queria oferecer mais do que colo e alimento. O desejo mais profundo era protegê-lo de todos os perigos do mundo e ficar ali, eternamente, sentindo seu coração pulsando mais calmo, abraçado ao meu corpo. Alimentá-lo para sempre. Secar suas lágrimas até nunca mais sentir dor. Deixá-lo crescer mergulhado no amor.

Cenas de momentos inesquecíveis se desenrolam, como um filme, na minha mente, enquanto escuto o choro e os gritinhos das crianças da escola. Do bebê que segurava meu dedo enquanto mamava no meu peito, ao garotinho já em pé no berço com seu macacão cada dia mais curto. Dos joelhos sujos de engatinhar por todo lado, aos primeiros passos, tombos, birras, fome insaciável, paixão por carros, medo de cachorro.

Lembranças que têm cheiro de café fresco e pão quentinho.

Mamannnnnn. Mamannnnn.

Estou aqui meu filho. Sempre estarei!

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Março — Exercício 4 — Escrever a partir dos sentidos (sons, cheiros etc)

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Deana Guimarães
Comunidade da Escrita Afetuosa

Arquiteta, Designer gráfica, escritora. Publicou "O Universo de João Curioso" (infantil) "Fio da Meada" (contos) "Entre Conversas e Silêncios" (Crônicas)