Carta aberta à comunidade da escrita afetuosa

Marina C. Leonel
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJul 24, 2023

Caríssimas colegas e Ana Holanda,

Gostaria de registrar a minha insatisfação com o atual módulo do curso. Estou com muita raiva. Raiva deste exercício que surgiu em um momento tão inoportuno da minha vida.

Acontece que o primeiro semestre foi emocionalmente intenso para mim. Sabe as tais águas desconhecidas dentro de nós? Conheço bem esse lugar. Há pouco tempo eu estava navegando por essas águas. Na verdade, acabei de atracar o meu barco depois de uma viagem bastante turbulenta. Não pretendia voltar tão rapidamente.

Eu estava de boa. De boa. Acordando meia hora mais cedo para meditar e observar as maritacas da janela do meu apartamento. Cortei cafeína, exclui os aplicativos de rede social do celular. Na cabeceira, o livro Anne de Green Gables. A última coisa que queria era remexer nas entranhas e trabalhar temas indigestos. Não queria zarpar o meu barquinho e navegar por essas águas tão cedo. Não. Muito obrigada. Tudo que eu queria era sentar no cais com uma taça de gin e água tônica, apreciando o sol se pôr no mar. Ponto.

“É exatamente por não querer que você precisa escrever os textos desse módulo”, disse o insuportável do meu marido. Respirei fundo. Eu tenho me esforçado bastante nesse negócio de escrever. Tenho consciência da importância de não cair na zona de conforto. Tudo bem, vai. Decidi dar uma chance.

Pensei em escrever sobre a minha avó. Ela mesma: a narcisista patológica, tóxica e todos os outros nomes que estão na moda. Foram cinco tentativas de textos lindamente iniciados e miseravelmente inacabados. O resultado se deu em um choro desconsolado no chuveiro e uma noite de nariz entupido. Texto, não saiu. Mas a sessão extra com a psicóloga foi garantida.

“Pedro, não quero mais escrever sobre minha avó. Me dá uma ideia de outro assunto”? Pedi, desolada, ao marido. “Escreve sobre aquele professor”, sugeriu com a maior naturalidade. Ele só podia estar brincando. De jeito nenhum. A simples menção dessa alma repugnante já fez os meus cabelos ficarem em pé. Meu computador não sobreviveria. Estou esmurrando o pobre teclado apenas com as poucas linhas em que menciono esse homem.

Enquanto isso, observo vocês, colegas. Marinheiras vitoriosas. Voltando de seus próprios mares turbulentos trazendo espólios de guerra nos mais variados e belos textos (inveja!). Fico com raiva de mim mesma. Não consegui escrever um texto visceral.

Mas, pelo menos, tentei. Também tenho me esforçado bastante nesse negócio de amor próprio. Então mantenho o meu barquinho próximo. Outras navegações (e exercícios) virão.

Agora que desabafei, caríssimas colegas e Ana Holanda, estou pronta para a retratação. Se necessário for, posso retirar a queixa. Prometem não ficar com raiva de mim? A verdade é que, mesmo com raiva, eu adoro vocês.

Atenciosamente,

Marina

Esse texto foi escrito para a Comunidade da Escrita Afetuosa
Poente — módulo 2 exercício 2
Escrever sobre um sentimento pouco nobre

--

--