Clec, clec, clec

brizam
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readApr 21, 2023

Na minha infância, minha campainha preferida era o barulho das unhas de minha mãe contra a madeira da porta. Clec, clec, clec, lá fora. Tum-dum, tum-dum, tum-dum, em meu coração, cá dentro. Corria, de onde estivesse, fazendo o que estivesse, aos tropeços. Dormindo, acordava. Não havia som mais bonito e desejado nesse mundo. “Mainha chegou!” Nos víamos pouco, ela trabalhava muito. E tê-la ali, mesmo cansada, mesmo sem muita vontade de conversa, era como ver miragem no meio do deserto. E eu tinha sede. Muita sede da sua presença. Ficava numa espécie de transe, hipnose. Ela tão, tão, tão bonita. Andando pra lá e pra cá, agitada. Perguntando a minha avó se estava tudo bem. Eu apenas acompanhava. Olhava, ouvia, cheirava, sentia. Meio de longe, como um bichinho. Na verdade, o que queria era tocá-la, abraçá-la, mas ela não era muito afeita a afetos. Mas, tudo bem, porque “mainha tá em casa e nadamais nesse mundo importa”.

Agora, pensando em retrospecto, ela devia ter a chave da porta. Briza, por favor! Claro que ela tinha a chave da porta! Talvez, o clec, clec, clec, fosse uma espécie de código… Sim, um código secreto e só nosso, que dizia: “estou em casa e nada mais nesse mundo importa”.

Já adulta, quando, finalmente, parei de roer as unhas e estava trabalhando numa campanha publicitária qualquer para um cliente qualquer, sem querer, fiz clec, clec, clec na mesa de madeira. Foi um susto-surpresa, desses grandes. O tempo parou. Diria até que o tempo voltou. Foi a minha vez de voltar pra casa e nada mais nesse mundo importa.

--

--

brizam
Comunidade da Escrita Afetuosa

alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate.