Oriana Freire
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readSep 20, 2024

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Com música é melhor

Então despertar ao som de uma melodia deveria ser uma boa ideia. Pelo menos foi esse o meu pensamento ao decidir trocar o toque do despertar do celular por uma boa música.

É verdade. No começo foi como uma lua de mel. Eu e a música, a música e eu. Um encontro tão agradável ao ponto de nem acordar. A voz de Jorge Benjor depois de um tempo cantando “o telefone” tornou-se fundo musical para o meu pesado sono matinal.

Era preciso mudar aquele despertador nem sempre eficaz. Isso aconteceu quando de uma viagem em família, porque tínhamos compromissos os quais não poderíamos nos atrasar. Pensando nisso, decidi fazer essa alteração na nossa primeira noite, antes de ir dormir. A escolha foi a música “Live or let die” de Paul McCartney. Depois disso, adormeci imaginando o nosso primeiro dia na cidade onde conheceria o famoso cruzamento das avenidas tema da bela “Sampa” de Caetano. Nada mais poético.

Mas não foi nesse mesmo clima o despertar do dia seguinte. Suavemente as primeiras frases da música-tema do filme “007 Viva e deixe morrer” foram penetrando na minha mente, até que chegou ao clímax onde normalmente nos shows, fogos explodem ao ritmo do trecho eletrizante dessa composição. Nessa hora, só não voei com os explosivos porque estava deitada. Quase foi preciso segurar o coração para não vê-lo furar o peito com os saltos embalados pelo susto.

Como depois da tempestade vem a calmaria, o trecho seguinte da canção indicava: “está tudo bem”. Sim. Eu havia entendido, então antes que entrasse novamente no ritmo alucinante do levantar com “duplo mortal carpado”, desliguei o despertador.

Nessa época, ainda não havia evoluído o suficiente para me tornar um ser capaz de falar ou pensar ao abrir os olhos pela manhã. Os primeiros nebulosos minutos não eram capazes de me fazer constatar a necessidade imediata de trocar aquele tema do despertador. Sendo assim, no dia seguinte, a cena se repete. Inacreditavelmente passei os 5 dias previstos na cidade, acordando em ritmo de perseguição, em perfeita sintonia com o charmoso agente que nos divertia com suas missões quase impossíveis, onde parecia ter tantas vidas quanto era o seu número de agente secreto.

Também ainda não era tempo dos smartphones, então as poucas músicas no meu diminuto telefone eram uma pequena lista de canções, do mesmo cantor, gravadas via cabo. Isso me deixava com poucas opções. Mas para não continuar a viagem de férias me acordando aos saltos e ao mesmo tempo não ficar embalada por algum ritmo suave, optei por “Drive my car”. Não teria a mesma dinâmica de começar leve e, de repente, sacudir o coração. Por outro lado, já começava acelerada. Até acostumar, vez ou outra levantava da cama tomada por pequenos sustos suportáveis.

Após voltar de viagem, decidi procurar uma outra música mais adequada para acordar. A escolhida foi o tema do filme “Missão impossível”. Apesar de remeter ao mesmo estilo 007, descobri ser perfeita para despertar uma criatura de forma gradual. Desde então, embora eu e os smartphones evoluíssem, o meu despertador continua o mesmo.

Nunca fui adepta dos barulhentos e tradicionais relógios manuais de metal movidos a corda. Havia um em minha casa. Mas nos primórdios, minha mãe usava para ela e saía acordando os preguiçosos. Foi assim até o dia em que comprei um rádio-relogio. Nada de toques radicais ou repentinos. Gostava de deixar programado para acordar com o rádio. Geralmente a primeira voz a ouvir, era a do locutor.

Descobri que é um privilégio ter alguém para nos tirar do sono de uma forma calma e suave. Uma forma tranquila de começar o dia. Nada que possamos substituir pela tecnologia. A gente levanta, mas nunca é como o toque da mãe ou ao som da sua voz quando, aos poucos, nos vai puxando dos nossos sonhos e nos trazendo à realidade de mais um dia por começar.

Oriana Freire — Exercício 1 — Setembro/2024

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Oriana Freire
Comunidade da Escrita Afetuosa

Amante da literatura. Viajante das crônicas. Devoradora dos livros. Autora dos blogs: Viajando na Crônica e Viajando e contando