CORPO EM PAUSA

Belkis Panace
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readAug 29, 2024
bordado em fotografia, Belkis Panace, 2001

Não quero mais lhe ter.

Mas, como se faz isso se não posso viver sem você?

Sim, estou com raiva. E não vem com a história que raiva é amor. Estou cansada do seu peso sobre mim. No ventre, no quadril, na barriga que não se esconde mais atrás da roupa. Pesa…

Não gosto de te olhar. Mas, insisto quando te encontro no espelho que temos na sala. Olhando bem de perto, encontro as marcas da minha história. É vida ainda. Confesso: é belo.

Estou confusa, porque ainda sinto raiva de você.

Cortei os cabelos bem curtos quando encontrei os primeiros fios brancos. Sei que não gostou, se incomodou com o inverno. Mas, não suportei imaginar todos os grisalhos igual da minha avó. Bem, na verdade queria ser um tiquinho igual ela.

Gosto mais de você quando dorme. E sonhas… engraçado não tens mais sonhado? Aqueles sonhos malucos, picantes, eróticos. Se sonhas, não quer me contar. É de propósito. Não quer me contar. Quer esconder de mim todo o desejo, quer que eu acredite que não existirá mais prazer.

Não quero mais lhe ter, mas não sei viver sem você. Não consigo…

Caminhamos juntos até aqui. Suportamos o abandono, a perda da chupeta e os joelhos ralados das brincadeiras de corda. Perdemos e nos encontramos quando os seios cresceram e veio a primeira menstruação que agora não existe mais. Juntos aprendemos como gerar um filho e depois desaprendemos quando ele nasceu. Foram décadas … E agora, o que será que vem?

Sabe, tenho medo do final. E, talvez queira que esteja lá.

Você me sustentará quando esse fim chegar? Você fica comigo?

Quero lhe ter até o fim. Não sei como é morrer sem você.

#Agoex4

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