Culpa
Envelhecer. O tema está em destaque, ao menos para mim. Livros, artigos, revistas, palestras, muitas pessoas falando sobre o processo de envelhecimento. A população brasileira está envelhecendo, ou seja, há menos nascimentos e os idosos estão vivendo por mais tempo. Esse fenômeno já ocorre em países europeus e no Japão.
Os artigos e estudos nos orientam sobre como devemos nos cuidar. Fisicamente, com a prática de exercícios e boa alimentação. Emocionalmente, através do estabelecimento de relacionamentos familiares saudáveis e convívio social positivo. Mentalmente, por meio da aquisição de novos conhecimentos e manutenção de uma mente flexível. Espiritualmente, cultivando otimismo e estabelecendo propósitos de vida. Tal abordagem é coerente, porém nem tudo é simples.
O tema me envolve. Talvez por estar mais madura e por sentir-me responsável por ajudar minha mãe, que já beira os 86 anos. Ela tem energia, inteligência, mantém-se ativa. Ao mesmo tempo, não escuta bem, mesmo com aparelho, confunde-se facilmente, fala coisas fora de contexto, faz as tarefas em ritmo lento e quer fazer tudo como sempre fez. Nada disso é um problema, afinal, nesta idade, não espero que seja diferente. Ao mesmo tempo, quando estou com ela, sinto-me incomodada, impaciente, percebo como o meu tom de voz aumenta, me sinto frustrada. O coração acelera no peito e, às vezes, fico brava. Em seguida, surge a culpa.Uma dor no coração. Como posso me irritar dessa forma? Preciso ter calma e amor, não deveria ficar agressiva. Culpa. Mesmo acompanhando-a às consultas, levando-a para viajar, almoçando nos finais de semana, ligando todos os dias para conferir se está bem. Mesmo assim, culpa. Culpa por ficar impaciente, por me irritar, por me frustrar. A voz interna não me deixa em paz. A minha voz culpa. Não a dela.
Avalio, o que tanto me incomoda? A teimosia, o hábito de querer fazer tudo sozinha, a falta de flexibilidade e o orgulho.
Será que sou como ela? Por um lado, quero ser, pois me orgulho de sua garra e iniciativa. Por outro lado, não quero que meus filhos se sintam culpados como eu.
Então, me resta ler os livros e assistir palestras, ter consciência e tentar mudar algo nesse ciclo que costuma ser vicioso, pois amar, cuidar e envelhecer não é fácil e todos os dias envelhecemos um pouco mais juntos.
Alice Murray Reimer
Fev24ex3