Dores de crescimento
“Estou pensando em parar a escola e fazer um supletivo… Acho uma perda de dinheiro pagar cursinho. E se eu passar no vestibular no meio do ano antes de terminar o ensino médio? Pra quê continuar mais seis meses se eu já passei? Não faço questão de formatura, melhor investir o dinheiro na minha previdência privada… Quero fazer ITA, mas tem idade máxima para poder entrar e eu não vou passar de primeira. Mas se eu fizer ITA, eu já começo a minha carreira com um bom salário. Imagine um piso de 15 mil reais por mês? Não me imagino sendo outra coisa que engenheiro. Sou bom em exatas, mas odeio literatura. Tem coisa mais inútil do que literatura?”
Assim começou minha conversa com meu sobrinho de quase 18 anos depois da pergunta sobre como vão os estudos. Está naquela fase temida das escolhas para, reza a lenda, o resto da vida.
É o ano de cursinho, de vestibular, que se soma às mudanças já visíveis na sua fisionomia, no seu corpo, na sua forma de se relacionar com as pessoas e si mesmo. Aquele tsunami muitas vezes devastador de expectativas próprias com as dos outros.
Em seu discurso, ele tenta criar argumentos que justificam todos esses cenários para dar coerência ao seu raciocínio. Parece conseguir ver além da sua pouca experiência de vida. Fala em investimento, em economia, em perda de tempo, em, pasmem, aposentadoria. E eu ouço e fico pensando de onde vem tantas certezas sobre o que é certo ou errado.
Esperando não demonstrar uma certa perplexidade, tento cavar mais profundamente para entender seus porquês. No fundo, quero encontrar as brechas no discurso, para mostrar que talvez ele tenha uma leitura muito superficial da realidade.
Talvez devesse se concentrar em apenas ser um adolescente privilegiado, sim, e viver mais no presente e menos na terceira idade.
Rebato: “O que te faz pensar que sua mãe não pode arcar com os custos da sua educação? Será que ela não deveria ser a pessoa mais preocupada com a fatura do cursinho? Por que essa pressa toda? O vestibular está tão mais fácil nos dias de hoje que em apenas seis meses de preparação, na primeira tentativa, você já teria domínio do conteúdo de um ano letivo inteiro?”
Ele segue tentando se justificar. Não aceita o argumento da família sobre como certos ritos de passagem, como o diploma e a formatura do ensino médio, são importantes e que o acesso à educação de qualidade também.
Tenta criar estratégias com foco no mínimo de despesas com máximos ganhos, como aquele em que não cogita cursar uma universidade particular… porque é caro. Por outro lado, contraponho, as instituições públicas exigem muito estudo, pois a competitividade é alta e apenas um ensino de qualidade (e mais caro) aumenta as reais chances de conseguir uma vaga.
Voltamos na questão do ITA e aí pergunto se ele já imaginou como seria a vida em outra cidade, morando num alojamento de estudantes, longe da família e dos confortos de casa.
Seguimos nesse ping-pong de ideias e me dou conta que talvez esteja passando a mensagem errada ou sendo muito dura. Acredito realmente que tudo é possível com dedicação.
Amenizo o tom e digo que se esse é o sonho dele, ele deve entender que precisa ter um desempenho fora da curva e que, para isso, nada virá sem renúncias.
Falo da minha experiência quando passei em Arquitetura na UFPR e consegui fazer mestrado e doutorado na PUCPR sem precisar pagar nada.
Falo da experiencia do seu avô que precisou se mudar para o Rio de Janeiro por um período e trabalhar ao mesmo tempo em que cursava medicina até conseguir ser transferido para Curitiba e ficar mais próximo da família.
Fiquei pensando nessa geração atual que parece achar que o mundo lhes deve alguma coisa ou que certas regras não se aplicam mais, vestígios de uma sociedade antiquada.
Vejo muitas certezas disfarçadas de crenças limitantes, possivelmente motivadas pela insegurança do que vem pela frente. Poder escolher é uma dádiva e uma penitência, afinal não existem garantias.
Tomar decisões é assustador, ainda mais assumir a responsabilidade pelas consequências delas. Mas são essas as dores de crescimento.
Acolher as dúvidas, dividir com quem viveu um pouco mais, mas estar aberto aos erros tanto quanto aos acertos, para aprender a tomar as rédeas da própria história. Entre tantos dilemas e questões existenciais, o colo e amor da tia aqui são grandes certezas.
#auroramod1ex