Duas Verdades E Uma Mentira
1
A casinha de João-de-barro estava inteira, intacta. Construída num tronco grosso e escuro, enfeitava a antiga estante de livros onde dormiam histórias, contos de fadas, poesia. Ao seu lado, também no topo do móvel, ficava um enorme osso de baleia que eles trouxeram da praia — uma das poucas viagens que fizeram juntos. Lembrança de um tempo que, de tão distante, parece até ficção. Como os contos que ele escrevia em sua Olivetti verde — o som das teclas dele preenchendo os silêncios dela.
2
O João-de-barro não habita a mesma casa duas vezes. Apesar de construir a casa juntos, depois que os filhotes nascem, o macho abandona a fêmea. Voa em várias direções à procura de outros olhos para conquistar. Um novo ninho para construir — e abandonar.
3
Depois da mudança, a casinha de João-de-barro se perdeu. Não foi para o apartamento do pai, onde a velha máquina de escrever passou a habitar uma mesa com tampo de vidro e pernas de vime. Tampouco continuou decorando a estante dela — agora sem poesia. A casinha de João-de-barro ficou fora de lugar.
Fora de contexto. Fora da realidade.
Como o colchão de casal. Como os retratos nas paredes. Como um refugiado recém-chegado.
Como os filhos.
Mente quem acredita
possuir
a verdade.