Oriana Freire
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readSep 20, 2024

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Eles estavam lá

Ela era elegante na voz, em seus modos, uma dama. Sempre bem arrumada, o cabelo impecavelmente preso em um coque e um constante ar de bondade. Essa é a imagem que guardo dela. Ela estava lá na festa da minha primeira primavera, e ficou registrado em uma das fotos onde quase todos os adultos presentes já se despediram dessa vida, assim como ela.

Um ser humano marcante para mim, tal que quando olho o registro daquele momento em que cantavam os parabéns para a menininha de olhos grandes e um sinal na face, o qual foi diminuindo ano a ano até o final da sua infância como algo que marcava-lhe o tempo de menina, me chama à atenção aquela elegante senhora, nossa vizinha, amiga da minha avó e, por conseguinte, da família. Lembro que era homônima de uma outra amiga da minha avó, mas pela sua cor, para distingui-la quando se referia a ela em suas falas, acrescentava ao nome a alcunha de “Pretinha”. Detalhe que, como criança, não entendia.

Mas haviam outros hoje ausentes: minha avó paterna que na minha adolescência também se despediu de nós; minha avó materna a qual no início da minha juventude nos deixou; meus pais — Esses seguiram quase juntos — Deixaram um grande vazio na foto e em nossas vidas, uma espécie de orfandade adulta; e uma das minhas tias queridas que partiu dois anos após a minha mãe.

Dos que estão por aqui, de adulto, além de uma das minhas tias — uma típica jovem bonita da época — ainda nos alegra com a sua vitalidade, uma prima dela. Porque ambas carregam a persistência dos que estão vivos no melhor sentido. Das crianças, meus dois irmãos, meus três primos filhos da tia que partiu, a filha da prima que ficou e a irmã mais nova de uma amiga da minha mãe são os que tenho notícias. Quanto a meninada da vizinhança, apenas posso imaginar.

Qual caminho seguiram os pequenos, os que em sua alegria infantil também comemoravam seus primeiros anos de vida? Farto-me em saber que, de alguma forma, todos de que tenho conhecimento encontraram uma via para seguir. A melhor? Nem sempre. Fico imaginando quantas expectativas haviam ali, todas aquelas crianças, famílias em início de jornada. Com certeza, se fosse hoje, em adição, haveriam estranhas preocupações atreladas a realidade de um mundo tão diferente do que se poderia acreditar há cinco décadas.

Com um vestido azul claro de um tecido bem fino forrado, com pequenos bordados coloridos e um babado franzido, a aniversariante curiosa observava tudo. Por baixo, uma calcinha fofa mais conhecida como “bunda rica” porque ocultava uma fralda com uma calça-enxuta para não vazar o xixi e no cabelo, um pequeno laço. O bolo confeitado de branco e decorado com uma cena composta por um escorrego com crianças ao redor, encantava os pequenos. os guardanapos com desenhos da Disney, enfeitavam os copos sobre pratos coloridos com detalhes infantis. Embelezando e colorindo ainda mais o cenário, muitos beijinhos enrolados com papeis de franjinhas em diversas cores. Para beber, a centenária Coca-cola.

Na ocasião já havia em nossa casa uma mesa a qual testemunhou inúmeras comemorações e transformações da família. Minha mãe a expandia quando tínhamos convidados em casa. Naquele dia, com uma toalha usada em ocasiões especiais, ela foi coadjuvante nas fotos. Mas para mim, agora, uma incomensurável fonte de recordações, onde um texto não seria suficiente para comportá-las.

Oriana — Exercício 2 — Setembro/2024

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Oriana Freire
Comunidade da Escrita Afetuosa

Amante da literatura. Viajante das crônicas. Devoradora dos livros. Autora dos blogs: Viajando na Crônica e Viajando e contando