Entraves

Maru Chiquinha
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readApr 28, 2024

FALAR EM PÚBLICO. Um dispositivo às minhas angústias. Pra não ter que dar explicações, adotei um disfarce que me parecia razoável: “Eu me comunico melhor escrevendo do que falando”. A verdade, porém, é que eu morro de medo de me expressar oralmente diante de uma plateia (exceto da formada por meus alunos, com quem sempre, ou quase sempre, me senti tranquila). É algo desmedido, que me tira o autocontrole, me vulnerabiliza. Medo de dizer o indevido, o fora de contexto, o equivocado, o mal entendido. É extensa a lista dos meus entraves. Todas as vezes que foi possível, fugi das situações em que eu precisava expor meu ponto de vista ou apresentar ideias de alguém. Mesmo tendo estudado pra isso. Mas quando não dava pra escapar, sofri. E sofri com vontade.

Foi sempre assim. Quando eu fazia o terceiro ano primário, por ocasião das comemorações do Dia das Mães, na escola (eu me lembro como se fosse hoje), não consegui falar o poema decorado pra homenagear minha mãe. Caí no choro na frente de todo mundo. Uma vergonha que me perseguiu por muitos dias! Já adulta, participei de um grupo que fazia apresentações com fantoches em igrejas. Certo dia, fiquei literalmente cega. Não conseguia enxergar o texto da apresentação. Eu, é claro, tentei fazer com que minhas colegas pensassem outra coisa. Pra não me sentir tão… tão esquisita. Quando eu estava na universidade, situações parecidas aconteciam o tempo todo. Sempre que me vejo na iminência de falar em público, entro em silencioso desespero: suo frio, gaguejo, sou tomada por súbita amnésia. Acho que esse é o ponto mais perturbador: esquecer o que ia falar. Minha cara, meus trejeitos… denunciam tudo. Um vexame!

Infelizmente (ou não), na vida a gente não consegue fugir o tempo todo do que nos aterroriza. Eu, por muitas vezes, tive que enfrentar meu medo. Com que qualidade o fiz, não sei avaliar, mas dei palestras, ensinei na igreja por muito tempo e pra grupos diferentes de pessoas. Certa vez fui escolhida por minhas colegas de turma pra ser a oradora, por ocasião de nossa formatura. Não sei por que me escolheram. Mas escrevi e li o meu texto. Dele eu gostei. Do momento do discurso, não lembro. Estava meio fora de mim. No final, fui aplaudida, ouvi gritinhos do tipo “urruhhhhh!”

Desconheço a origem desse medo quase destrutivo. Eu sei que é insegurança. Sei que, possivelmente, ele tem a ver com alguma experiência remota que tive. E também com questões relacionadas à autoestima. Sei que deve ter uma explicação científica e talvez até solução pra todo esse transtorno. Mas já não me importo com nada disso. A essa altura da vida, dificilmente ainda serei desafiada a me expor. E se for, vou lá e darei o meu recado com o que tenho. E pronto. Cansei de fugir. Cansei mesmo de perseguir a inatingível perfeição, de querer acertar e fazer bonito o tempo todo. Se antes eu tivesse considerado esse pensamento, por certo não teria sofrido tanto.

(M. C. — 26.04.2024)

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