Excessos e limites
Todo excesso esconde uma falta. De amor. De tempo. De fé. De confiança. De alegria. De querer.
É o que diz a sabedoria popular. É o que as pessoas veem. Estamos todos por aí. Circulando pela vida. Mesmo com as nossas faltas. A sociedade nos pede para sermos fortes, inclusive quando não sabemos mais reconhecer a própria força. Ou quando estamos cansados de sustentá-la.
Na fila da perícia médica, Ana estava com os olhos marejados. O dia já tinha começado assim, com um rio fluindo de dentro pra fora. Lágrimas de tristeza, de incompreensão. Um reflexo líquido da dor de expor a própria vulnerabilidade.
Peso nos ombros. Dentes cerrados. Cabeça baixa. Sentada na poltrona, à espera da sua vez, as pernas de Ana doíam. Cansada de sustentar a sua força física e emocional. Um sentimento de impotência, que trazia um convite: Aceitar ser quem se é, com todas as faltas e fraquezas.
Afinal, onde está escrito que é preciso estar inteira sempre?
Essa é mais uma daquelas ideias fixadas como convenção social. Ser obediente, forte, disponível, gentil. A qualquer preço. Custe o que custar. A paz pode ser liquidada. A missão é se encaixar no que a empresa quer. Olhos marejados. De novo. Dor na alma. Seguir esse caminho é como automatizar os processos humanos.
Na vulnerabilidade, Ana reconhece a impossibilidade de seguir em frente nessa mesma batida. É preciso acolher as emoções que fluem como um rio. A fragilidade revela também a força. A coragem de fazer diferente aparece no extremo da dor.
O médico é taxativo: os problemas precisam ser resolvidos e os remédios não adiantam nada. Ele defere o período de licença como quem faz um favor. A falta de empatia na perícia mostra com clareza o que é preciso soltar. Alguns lugares exigem uma despedida corajosa. Um salto de fé. Um adeus ao desconforto na alma.
Ana sabe o caminho de volta pra casa, pra si. A tônica da vida é encontrar leveza e acolhimento. Abraçar uma jornada que seja fonte de paz.
Atestado validado. Olhos ainda marejados. Mãos trêmulas. A alma grita por liberdade.
A porta do consultório fica entre aberta. O próximo trabalha(dor) é chamado para se ex(Por). Ana desenha um ponto final no vínculo e no sofrimento.