Flor do Moinho.

Marina C. Leonel
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readOct 29, 2023

Florentina Pereira dos Santos. Mas você pode chama-la de Dona Flor. “É mais bonito e elegante, mais influente. A gente tem que procurar o que é melhor pra gente”, ela diz com seu sorriso simpático. Fazendo jus ao apelido, quase sempre veste uma saia ou um vestido florido. Os cabelos crespos e grisalhos costumam ficar presos em um coque baixo bem rente a cabeça, enquanto o rosto carrega marcas da passagem do tempo e do sol do cerrado. As rugas, no entanto, não são de preocupação: Dona flor irradia a brisa serena de quem conhece seu papel no mundo.

Formou sua família com marido e dez filhos em Alto Paraíso do Goiás, no Povoado do Moinho. Mas além dos seus filhos de sangue, tem muitos outros filhos do coração. É bisa, vó, mãe e irmã de muita gente. Isso porque já cuidou da saúde de centenas de pessoas e ainda ajudou a trazer ao mundo um punhado de crianças.

Só teve um semestre de educação em sua vida, quando estava no primeiro grau. Faculdade de Medicina, nem pensar. Com uma sensibilidade fora do comum, Dona Flor simplesmente sabe o que fazer. “Aprender a ser parteira é fácil para quem estuda, com toda ciência na mão. Tá escrito lá o que tem que fazer. E eu? Tem que estar aqui (ela diz, enquanto aponta o indicador enrugado para a mente); e aqui, óh (complementa. apontando para o coração). E primeiramente lá no céu”.

Era só uma criança quando fez o primeiro parto, quando sua mãe estava agoniando as dores de um bebê que custava a querer sair. As parteiras da região não deixaram Dona Flor acompanhar — não era coisa de criança. Então ela ficou do lado de fora do quarto trancado, preocupada com sua mãe. Até que sentiu algo penetrar sua cabeça como uma agulha. Abriu a porta e invadiu o quarto em que sua mãe estava parindo. Desobedecendo as parteiras, chegou perto da mãe e a reposicionou. Por um segundo pensou que a mãe iria morrer em suas mãos. Clamou a Deus. E seu irmão nasceu.

Dona Flor tem uma intuição celestial. Ela sabe predizer o momento em que o bebê vai nascer e a posição ideal para cada mulher parir. Sabe, inclusive, antever o sexo. Sua vocação, no entanto, não se restringe ao universo da gravidez. Dona Flor cresceu no meio do mato, aprendendo a enxergar a beleza e a utilidade de cada canto da natureza. Ela sabe identificar toda e qualquer planta, e seu inúmeros remédios caseiros tratam desde gastrite até picada de cascavel.

Tudo isso, segundo ela, só é possível através da fé. Mesmo consciente da sua sensibilidade fora do comum, Dona Flor é humilde e não leva crédito por suas boas ações. A crença em um poder superior que guia é marca constante em suas histórias e conversas, atingindo o ouvinte como um abraço quente de amor e esperança. Curando, por fim, através de suas palavras qualquer um que tenha a sorte de ouvi-las.

“A natureza ensina, mas você tem que respeitar. Tem que usar com amor e respeito (…). Não precisa ter fé em dona flor não. Eu sou um ser humano igual você, de carne e osso. Confia naquele que me manda, que se chama Deus. Ele que faz tudo e é bom da natureza”.

Esse texto foi escrito para a Comunidade da Escrita Afetuosa
Alvorada — módulo 2 exercício 3
Escrever a partir da escuta

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