floresça

Luciana Godoi
Comunidade da Escrita Afetuosa

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A gente mora em uma casa estilo “mansão de Caras”. Não é nossa, claro. Moramos de aluguel em uma cidade do interior, então, dá pra pagar sem precisar passar fome. Mas, ainda assim, é uma casa que não faz o menor sentido para uma família de três pessoas e dois cachorros.

Quando entrei aqui pela primeira vez, dei de cara com o jardineiro aparando os muitos metros quadrados de grama. Ele, super bem intencionado, estava com a esposa a tira colo. Uma paisagista. A simpática senhora achou que eu fosse grã-fina, porque… “mansão de Caras”, né? E ela já veio logo me apresentando um plano completo para todas as bromélias, palmeiras, orquídeas, árvores frutíferas, hibisco laranja, além dos dois cactos.

Confesso que pouco ouvi de tudo o que ela disse, garanti que entraria em contato e, obviamente, nunca mais a vi. Não sou do tipo que cuida de plantas, sabe? Acho lindas, amo nosso super jardim, mas conto nos dedos quantas vezes coloquei água em uma partezinha que fosse.

Fato é que esses dias reparei que um dos cactos está murcho. Um cacto. A única espécie vegetal que eu achei que saberia cuidar. Está morrendo o infeliz. Assim que me dei conta disso pensei na paisagista e a imaginei recebendo a próxima inquilina e dizendo, nas minhas costas, qualquer coisa como: “ela deixou aquele pobre coitado passar fome até morrer. Depois de ter certeza que ele não respirava mais, foi embora arruinar outro jardim”.

É, senhora paisagista, matei mesmo o cacto. Mas não fiz por mal. Todo o tempo que passei nesse jardim foi preenchido de tantas outras coisas…

Bolhas de sabão! Algumas estouradas pelo próprio cacto nos faziam gritar, gargalhar e sorrir! Tinta, muita tinta, pelos degraus, na parede lá de baixo, bem pertinho do rio, e nas cinco pedras que rodeiam o cacto! Uhum! Pintamos as pedras com aquarela, ajeitamos naquele canto e nossos cachorros nunca mais espetaram o rabo nos espinhos.

A gente brincou com terra, não de cultivar, mas de fazer sopa para as bonecas. E colhemos jiló aos montes, porque mesmo sem ninguém cuidar, o pé de jiló cresce, floresce fartura. Muito resiliente, ele. E encontramos lagartas na couve, um tucano machucado, um morcego morto, borboletas sem fim!

Mastigamos hortelã feito chiclete e brincamos de pique esconde. Pisamos a grama toda com pé descalço, tomamos sol e algumas gotas de chuva. Descobrimos pitangas escondidas naquele pedacinho de floresta e comemos todas em uma única tarde.

Ahhhh, senhora paisagista, eu poderia passar anos listando todas as vivências que vieram desse jardim, mas nada tem a ver com aguar regularmente o cacto e todo o resto.

Se quer saber, olhando mais de perto, acho que ele ainda não morreu. Com alguma sorte, vai até se recuperar com o banho de mangueira que, sem querer querendo, lhe demos no último domingo, enquanto brincávamos de fazer arco-íris contra o sol.

Eu e ela. Flora. Não a flora que a senhora queria organizar, mas a minha Flora. Sim, este é o nome da minha filha. Muito apropriado, não?

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