Saudade no palco
Gritos de excitação. No camarim improvisado, eu terminava a maquiagem em busca daquela alegria inocente, que nada sabia de melancolia ou desencontro. Respirei fundo tentando afastar os pensamentos sombrios e abrir espaço para o Palhaço Lagartixa. A minha amiga, que se transformaria em instantes no Palhaço Minhoca, me dava forças. Éramos uma dupla perfeita, ambas bichinhos rastejantes, um comia os pernilongos, o outro virava adubo para fertilizar solos pobres.
O frevinho animado explodiu na caixa de som e a molecada fascinada se aquietou. Todos sentados no chão, com os olhos brilhando, morriam de rir com as palhaçadas de Minhoca e Lagartixa.
Quando a música entrava poderosa e as luzes dos holofotes se acendiam, algo em mim também acendia. Eu esquecia que o meu filho estava em casa, enquanto eu levava graça à vida de outras crianças. Esquecia que me sentia sozinha e triste. E que a solidão dormia ao meu lado.
No aniversário de 3 anos do meu filho, decidi fazer a animação da festa. Pedi ajuda para uma amiga que topou ser dupla comigo, porque palhaço sem “comparsa” não tem graça. O espetáculo foi inesquecível! No fim da festa, algumas mães perguntaram se faríamos a animação no aniversário dos seus filhos.
Não tivemos dúvida. Uma semana depois, criamos o Teatrinho Arco-Íris. Nome que surgiu da esperança de achar o tesouro, num céu mais colorido e luminoso. Construímos cenários, histórias, outros bonecos, fizemos novas roupas, compramos equipamento de som, microfones e holofotes. Tudo pronto. E agora? Sem redes sociais, o caminho foi anunciar no jornal “Primeira Mão”. Um tabloide específico para anúncios. No dia seguinte fechamos a nossa primeira festa. Foi tão rápido que nos apresentamos com a roupa alinhavada, porque não deu tempo de costurar.
Sem GPS, lembro da agonia para encontrar o local da festa. Chegamos atrasadas, apavoradas, com uma engenhoca grande para montar e era a nossa estreia como profissionais. Um sufoco! O coração batia mais alto que a música. Minha avaliação de perfeccionista foi que tinha sido um desastre, mas eles amaram. E ali mesmo, entre os convidados, fechamos o próximo contrato. Depois outro e mais outro e não foi necessário anunciar novamente. Os eventos aconteciam todos os fins de semana. Foram três anos intensos. Criamos mais de 20 bonecos e escrevemos histórias diferentes, divertidas. Sinto orgulho das nossas criações. E saudade. Das festas memoráveis, da nossa parceria. Dos nossos filhos crescendo juntos e muitas vezes disputando a atenção das mães, que não conseguiam se esconder atrás do nariz de palhaço.
Fechamos as cortinas quando a “comparsa” se mudou para o interior. Ela era insubstituível. Com a Companhia teatral de portas fechadas, fomos solicitadas a fazer mais uma apresentação. Uma festa para crianças especiais que tínhamos feito no ano anterior, meninas e meninos encantados que não saíam do nosso colo. Pagariam qualquer preço. Para nós a recompensa já era imensa. Resgatamos o espetáculo e nos apresentamos. Pela última vez!
Hoje tem espetáculo? Tem não sinhô. Lagartixa se aposentou. Minhoca morreu. Deixou o palco vazio. De presença. Cheio. De saudade.
(Para Susete, o palhaço que dividiu o palco comigo. E a vida!)
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Abril — Exercício 3 — Escrever sobre como auto cura