Mate o Leão
Cresci acreditando que minha avó materna se chamava Dona Cecilia. Era o que ouvia meu pai sempre falar. “Como está Dona Cecília? Veja bem…Dona Cecilia? Boa noite, Dona Cecilia?”
Estatura baixa, magra, fumante. Óculos imensos no rosto, cabelos crespos, pretos, compridos e sempre amarrados. Vivia pedindo para a gente ir ao boteco comprar seu inseparável Plaza.
Suas mãos seguravam um copo de café e um cigarro o dia inteiro. Amava o Silvio Santos, sentava na sala todas as noites de domingos bem pertinho da tv, como se a proximidade do aparelho a posicionasse entre os calouros.
Recebia a todos sempre com as portas abertas. Criou meus 3 primos, minha tia era mãe solteira. Acolheu minha família assim que meu pai comprou uma casa que precisava de reparos antes da mudança. Meu tio também morou lá quando o casamento estava em crise.
O irmão do meio da minha mãe não se casou e consequentemente nunca deixou de morar lá. Meu tio Elvis, o caçula, precisou de seus incessantes cuidados meses antes de falecer. Tia Maria mandou seu filho, dependente químico, aos seus cuidados. Lembro-me de visitá-la e encontrá-lo delirando no sofá.
Cuidou do meu bisavô, seu pai, que viveu mais de cem anos. Recebeu de braços abertos a volta do meu avô, seu ex, após sofrer um derrame e quando já estava debilitado demais para viver de enroscos.
Todos, sem exceção, eram servidos com uma xícara quentinha de chá mate bem açucarado. Assim que chegávamos lá, nos apontava a cadeira na cozinha. Perguntava como andava a vida enquanto esquentava a água. O gosto daquela erva torrada misturada com açúcar tinha endereço e voz.
Quando atingiu idade avançada e não andava mais, os netos e filhos intercalavam a semana para cuidar dela. Era o mínimo que podíamos fazer por uma vida inteira dedicada a nós.
Em seus últimos dias me fez uma confissão.
“Fia, tô com uma vontade de comer pão com manteiga e chá mate.”
Corri ao mercado e comprei tudo, com o coração apertado e lágrimas doídas caindo ao rosto.
Há 10 anos, Dona Cecília não está mais entre nós. Hoje, moro num país onde os relacionamentos são frios e os filhos são intimados a saírem de casa aos 18 anos.
Na segunda gaveta à direita do fogão, guardo a minha infância. O exemplo da matrona guerreira, mulher de coração imenso que desde de cedo me ensinou que na vida é preciso perdoar e acolher.
Matar um leão por dia e servir às visitas bem quentinho e com muito açúcar.