Morada

Lorena Andrade
Comunidade da Escrita Afetuosa
1 min readNov 29, 2023

“Quem muito viaja uma hora chega”. O quadro na parede do corredor dizia tanto com tão pouco. Os outros inúmeros quadros e esculturas e livros e enfeites diziam ainda mais. Esse quebra-cabeça de histórias cruzadas carrega as idas de quem sabe de onde vem. Conta também as vindas da vida muito bem-vinda ali. Só podia mesmo ser coisa de quem muito viaja.

Uma hora chega. As contas, a louça pra lavar, o pó que se acumula em cada carranca — que espanta até energia ruim, mas não é imune à poeira. Chega a hora de viver a vida que não está no vai e volta das feiras de artesanato nem das viagens à Ilha de Ferro. Os rostos esculpidos, pintados e desenhados assistem ao dia a dia de quem é gente em três dimensões. A audiência é grande pra só dois moradores. Por isso, às vezes ela se punha a ler as lombadas dos livros artisticamente enfileirados na estante ou os quadros com dizeres bonitos. Inclusive aquele sobre viajar e chegar.

Cada novidade contava uma nova história. Quando tudo era silêncio, no entanto, as paredes podiam ouvi-las cantar a mesma cantiga. Era quase um lamento, uma saudade triste e bonita da terra que ficou pra trás. Uma alegria melancólica de quem decora paredes solitárias com lembranças de coragem. Aquela casa estava ocupada. Naquele lar havia, sem dúvida, presença. Em cada pedaço de memória se moldava a inteireza. Se escutava a resistência.

Naquele corredor estreito, um quadro pendurado na parede dava um recado: eles chegaram.

(Novembro — Alvorada, módulo 3, exercício 2)

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