Não desperdice alegria

Marina C. Leonel
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readOct 18, 2023

O marido da Celina morreu. Foi a primeira informação que meu cérebro recém desperto recebeu, às cinco e vinte da manhã de uma segunda-feira nublada. Peguei o celular, sonolenta, tentando desligar o despertador, mas a notificação inesperada me acordou mais rápido que um banho de água fria. O marido da Celina morreu.

Celina era uma colega da faculdade. Simpática, sempre sorridente. Não tive lá muito contato. O marido dela, então, não sabia nem o nome. Ainda assim, a informação me atingiu como um choque bem no meio do peito.

Rolei na cama e toquei o braço do meu marido, ainda dormindo. Celina era só poucos anos mais velha do que eu. Também tinha casado recentemente. Observei o lençol se movendo para cima e para baixo, acompanhando a respiração tranquila do meu esposo. Se não me engano, Celina tinha um filho pequeno. O nó na minha garganta se formou e quase me sufocou.

Eu não conheço Celina o suficiente nem para mandar uma mensagem transmitindo meus sentimentos. Mas, Celina, às cinco e vinte e cinco da manhã de uma segunda-feira nublada, rezei muito por você. Pedi que recebesse uma força grandiosa. Desejei que você e seu filho se tornassem fortaleza um para o outro. Torci para que, um dia, você fosse capaz de superar o insuperável.

Quando levantei da cama, lembrei de um trecho do livro “A Coragem de Ser Imperfeito”. Brené Brown diz que a melhor forma de exercer compaixão por alguém que sobreviveu a uma grande perda é celebrando os momentos simples da própria vida. “Não considere o que você tem algo banal e corriqueiro. Celebre-o! Não se desculpe por sua alegria. Seja grato por ela e compartilhe sua gratidão com os outros. Quando você valoriza o que tem, também está valorizando o que o outro perdeu”.

Naquela segunda-feira nublada, lembrei que o sol ainda estava atrás das nuvens. O abraço de bom dia em meu marido foi mais longo. No caminho até a academia, reparei em um casal de adolescentes entrando no portão da escola de mãos dadas. Ao abrir meu computador, agradeci por mais um dia de trabalho. Não reclamei por ter que cozinhar legumes no almoço. E ainda fiz um registro mental do meu marido trabalhando com seus fones de ouvido, franzindo a testa, coçando o queixo.

Não deveríamos precisar de tragédias para nos lembrar de agradecer pelas pequenas coisas do dia a dia. Infelizmente, é fácil nos esquecermos. Celina, eu prometo me esforçar para deixar a alegria me visitar em momentos comuns. Para honrar seu marido e o meu. Sua vida. E a minha também.

Esse texto foi escrito para a Comunidade da Escrita Afetuosa
Alvorada — módulo 2 exercício 1
Escrever a partir do nó na garganta

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