Nada Pode Abalar o Meu Dia
(ou O Meu Dia de Merda)
Não sou uma pessoa que gosta de ir ao shopping; vou por necessidade ou se tiver algo muito importante para fazer — livraria e cinema estão inclusos nesse pacote. As vezes esse passeio comigo mesma me faz bem; sair para comprar algo que preciso, comer uma boa comida, passear entre as estantes de livros e tomar um café. Nunca tive problema com isso.
Um pouco antes do final do ano, decidi ir até lá; era meio de semana então com certeza o shopping estaria calmo. Precisava ir até uma loja de costura pegar um casaco, que tanto amo (meu xodó), que havia deixado para arrumar. Cheguei assim que as lojas abriram, já pensando em como seria o resto dia. Decidi começar com um pequeno copo de cappuccino, eram trezentos mililitros de pura felicidade. Nem sempre ele me faz bem, as vezes cai como uma pedra, mas, é minha kryptonita, não consigo viver sem tomar e eu estava decidida que nada me abalaria. Era o meu dia. O café caiu como uma pena no meu estômago. Ponto pra mim.
Fui então até a loja, animada pós café e já pensando em qual seria meu almoço. Nada poderia acabar com o meu dia. Nada. Porém, como toda boa história, nem tudo acontece como o personagem espera. Assim que cheguei, depois de longos minutos sem encontrarem o meu casaco. Depois de um mês de espera, e uma promessa de que eu poderia busca-lo em quinze dias, meu casaco preferido não estava pronto. Tentando manter a calma e sentindo a raiva me consumindo, virei as costas e fui embora pensando: não vou deixar que isso acabe com o meu dia. Resolvi então me permitir ir em um bom restaurante comer meu prato preferido: Macarrão. Nada mais relaxante do que um prato da sua comida preferida.
Cheguei no restaurante, que ainda estava vazio já sabendo qual seria o prato. Assim que o garçom saiu com tudo anotado, decidi reparar no ambiente e pensei no texto lindo que poderia sair daquele momento meu, sobre o que poderia falar sobre a comida e sobre a família que também estava por ali com uma taça de vinho em plena quarta. Sobre as paredes do restaurante com muitos quadros e muitas referências a Itália. Tinha tudo para sair uma crônica linda sobre comida. E, correndo o risco de ser repetitiva, nada poderia abalar o meu dia. Eu merecia aquele almoço.
Então ele chegou. O prato. Aquele macarrão lindo com molho pesto que só de olhar me trouxe lembranças boas. Até começar a comer. Não estava ruim, mas não era o que eu estava esperando. Coloquei sal, na esperança de que tudo fosse melhorar. Não adiantou nada. Tinha alguma coisa estranha ali, mas continuei comendo. Pensei nos poucos ingredientes que vão no molho. Pensei na lactose — leite mais cedo, queijo no almoço, talvez tenha exagerado. Lembrei do azeite, que vem bastante. Será que é ele? Olhei para o prato, realmente tinha muito, mas, como uma boa taurina, ignorei os pensamentos e continuei os trabalhos.
Algumas garfadas depois, uma sensação estranha, um barulho e um embrulho no estômago. Isso não podia ser bom sinal, pensei olhando para o prato. Ainda lembrando do café que havia tomado e da raiva que passei. Ignorei o pensamento, resolvi não terminar o prato e partir para a sobremesa — era de graça, não pude evitar ficar sem comer. Seria um ótimo dia.
Enquanto esperava o namorado me buscar, percebi que ainda estava com uma sensação estranha. Então, um alarme soou na minha cabeça: banheiro. Mas como uma boa guerreira e já prevendo a merda — literalmente — decidi esperar e fazer as necessidades em casa. A espera foi longa, árdua e difícil. Mas não me abalei, fui até a livraria e tentei focar nos títulos e nos cheiros dos livros. Mas, meu estômago estava ali, sempre me lembrando de tudo o que comi no dia.
Fui encontrar meu namorado em frente ao mercado — que fica no shopping — então ouvi o que eu mais temia “vou entrar para comprar umas coisas”. Desesperada e com vontade de ir embora — usar o bainheiro do shopping era implorar por um estrago — resolvi reforçar o que já havia dito: eu tô apertada, vai rápido… eu preciso muito cagar!”. Por sorte, foi rápido.
Em casa, a vontade passou. Fui no banheiro, e só havia um pum discreto. Cansada, resolvi sentar no sofá e assistir televisão. Então pensei: “um sorvete cairia bem nesse calor”. E foi assim que aquele dia perfeito virou do avesso. Começou com aquela dor — boa — na mandíbula de quando pensamos numa comida que queremos muito, seguida de uma dor dor abdominal; “foi o cappuccino, certeza”. A dor foi aumentando e eu já podia pressentir a sinfonia de puns que sairia de mim. Então veio o calor.
Corri para o banheiro, foram dez passos que mais pareciam trinta. Se eu demorasse um segundo a mais, o estrago seria pior. Antes de sentar no vaso, veio o cheiro acompanhado de muitas coisas. Aquele aroma, chegou até a sala deixando o namorado preocupado e dando tempo de avisar para nem chegar pero do quarto.
Minutos depois, consegui sair do banheiro plena, um pouco abalada, mas bem. Poderia continuar a vida, ainda pensando no que poderia escrever. Até que a dor voltou e precisei voltar para onde eu tinha acabado de fazer um estrago. Só deu tempo de rezar para que não entupisse a privada. A coisa ficou mais feia — e muito (muito mesmo) fedida. Saí, meia hora depois, sem conseguir pensar em comida, principalmente em macarrão.
Abalada pelo caos vivido no banheiro, percebi que não é só Veríssimo que tem um excelente dia de merda. Pelo menos, tive um dia ótimo comigo mesma — apesar das adversidades da vida — comendo meu prato preferido e tendo ótimas ideias.
Mas, confesso que vou levar um bom tempo para voltar ao mesmo restaurante.
Texto para Comunidade de Escrita Afetuosa
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