Nas férias, eu vou ao colégio

Bruno Tavares
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJul 25, 2023
Foto de Feliphe Schiarolli

Montanhas de livros e papeis se equilibravam sobre as mesas. Pelas paredes, desenhos coloridos de personagens da TV. Uma grande porta deixava entrar luz e calor incessantes. Quando criança, eu deslizava por entre os móveis, arrastando os pés no chão de cimento queimado. Aquela sala, que não era de estar nem de jantar, me era muito conhecida. Era uma das muitas salas de aula do colégio de tia Lúcia.

Destino certo das férias, eu contava os dias para chegar ali. Passar horas perdido nas salas, garimpando tesouros esquecidos pelos alunos, desfalcando o estoque da lanchonete e mergulhando em livros que encontrava na biblioteca. No intervalo das aventuras de tinta e papel, eu vivia as minhas peripécias explorando cada cantinho: o beco secreto atrás da sala 03, o armário dos professores, os diários de classe. Nada escapava da minha curiosidade.

Numa dessas incursões achei um sino e corri a badalar as horas pelo pátio. Acorreram a mim tias e professoras. Aquilo não era brinquedo, era para indicar a hora do recreio. Sorte a minha que o colégio também estava de férias. Depois de encontrado o sino, passei a tocá-lo uma ou duas vezes por dia para assustar os desavisados.

Quando me dava na telha, chovia sobre os outros uma tempestade de perguntas. Como esta máquina corta isopor? Para que esse pote com olhos de plástico? De quem são as fotos nessa caixa? Posso tomar um refrigerante? As respostas eram calmas e risonhas, seguidas de um deixa isso aí e vai brincar lá fora.

Tia Lúcia tudo permitia. Eu tinha carta branca para acompanhar os bastidores do show e conhecer o trabalho das coxias. Quando ficava muito parado, logo me arrumavam uma atividade. Até hoje sinto o cheiro de álcool das tarefas rodadas no mimeógrafo, vejo minhas mãos sujas de papel carbono e tenho o cansaço de correr de um lado a outro para levar um recado.

Por anos, o colégio foi meu reino encantado, minha caixa de aventuras onde tudo era possível. O local em que me permitiam sonhar e fazer o que eu quisesse. Era como ter asas e ser livre para voar num mundo de imaginação.

(Essenciais — Escrever a partir de uma memória antiga — Aurora, módulo 1)

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Bruno Tavares
Comunidade da Escrita Afetuosa

Um publicitário que adora viajar, seja nos livros, nos filmes ou na vida real