O amigo de um amigo, de um conhecido meu

Luiza Ghizoni
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readJul 22, 2023

Dizem por aí que a grama do vizinho é mais verde. Eu não sei disso, não. Nem olho pro gramado ao lado para não correr o risco de ficar desgostosa. Mas tenho conhecidos que o fazem com frequência.

Hábito péssimo, já disse. Mas teimam em fazê-lo. E nos dias moderninhos em que vivemos, há várias maneiras inovadoras de bisbilhotar. O sujeito passa o dedo numa tela mágica de propaganda da vida alheia e pronto, a grama verde aparece ali, linda e bem cuidada em vários ângulos (favoráveis, obviamente) para ser devidamente invejada.

Mãe do ano. Musa fit. Viajante exótica. Executiva multitarefas. Pesquisadora pós doc. Escritora que emplaca tudo que escreve. Há padrões para todos os gostos. Sei nem se são reais. Não caio nessa. Aliás, só sei porque me contaram. O amigo de um amigo, de um conhecido meu.

Nada contra mostrar o que se faz bem. Aliás, nem é este o foco, os bem-sucedidos da internet. Nem eu, é claro. O âmago da questão é outro: o moço conhecido distante, que experimenta esse sentimento não nobre, também distante. Acho que é inveja, né?!

O tal fulano é boa pessoa, você pode perceber. Fica outrossim contente com o sucesso alheio. Contudo, ao xeretar a grama ao lado, se contorce de inseguranças e sente ademais, um pequeno pesar por si. Tem medo de perder seu espaço, de não ser bom o bastante. De ser um grande impostor e todo mundo descobrir. No fundo, acha que quando se sai bem, tem sempre uma boa dose de sorte.

E o curioso é que ele disfarça bem. Profere um discurso anti-perfeccionista de “erros como oportunidades de crescimento”. Se esforça para arriscar, vulnerabilizar-se. Mas treme dos pés à cabeça com a mera possibilidade de desagradar em público. Foge de polêmicas. Esconde-se numa agenda lotada. Justifica para si cada um de seus não poucos defeitos e procrastinações. E nessa hora, que horror, desmerece o outro para nivelar todos por baixo.

Ouvi dizer que está numa comunidade de escrita. Ouvi também que achou que ia se sentir muito à vontade. Ouvi então que não escreveu um texto sequer. Ouvi falar que travou, que invejou os elogios. Ouvi que não se sentiu capaz. Que sair do grupo é talvez, o melhor que faz.

Fomos apresentados faz tempo e sinto vontade de contar o que vejo, o seu mérito também. Dizer que (eu não), mas conheço outros assim. Que inveja não é branca e nem é preta, tampouco azul ou rosa-choque. É só inveja mesmo, a projeção dos próprios desejos nas realizações alheias, aparentemente sem esforço, sem cansaço e sem passar perto do fracasso.

E que mesmo sendo feio, não tem remédio que conserte. É um mal que vem de fábrica. Mas que se olhado bem de frente, fica pequeno e corre pra debaixo da escada.

Desejo então, que o sujeito não se apequene. Que sinta raiva, medo e que se trema por inteiro. Que inveje e que deseje. E também que vá e faça, não só almeje. Que se critique. E outrora se justifique. Que se encoraje e então clique, em “publicar” no canto de cima da tela à sua frente.

Poente mod2ex2

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