O artista que mora em mim (sufocado)

Deana Guimarães
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readApr 29, 2024
Foto: acervo pessoal (pintura em óleo sobre tela pintado por mim em 1993)

O artista que mora em mim

Diante do cavalete fitava a tela em branco. Vazia. Esperando ser preenchida com alguma cor, forma, textura. Arte. Ela ansiava por ser reconhecida como artista. Buscava inspiração. Precisava encontrar a própria voz.

Me reconheci nessa cena do filme que eu assistia sábado à noite. Era bonita e angustiante. Vivi isso muitas vezes. Com a tela em branco. O papel em branco. A espera da pincelada perfeita, da palavra certa. Infinitas possibilidades que a dureza do julgamento bloqueia.

Desde criança me sentia encantada com todas as formas de arte. Dos circos mambembes da pequena cidade onde passei a infância, aos desenhos feitos com lápis coloridos; das redações na escola aos diários da adolescência, daqueles com cadeado, onde eu escrevia meus sonhos e desassossegos. Tudo me fascinava. Mas eu acreditava que tinha que escolher e me especializar. Não podia ser boa em tudo e por toda a vida acreditei que não era boa em nada.

A expectativa era alta demais. O que eu pintava não tinha valor, não alcançava a grandiosidade desejada. Me sentia uma fraude.

Lembro quando assisti ao filme “Amadeus”, sobre a vida de Mozart. Há uma cena em que Antonio Salieri, compositor na corte, em um momento de desespero e frustração, fala com Deus enquanto está sozinho. Ele pergunta por que Deus lhe deu o dom da música e não lhe deu também a genialidade de Mozart. Salieri se sente injustiçado e confuso sobre o propósito de sua vida e talento. Sua frase mais marcante nessa cena é: “Por que, Senhor? Por que? O que fiz de errado?” Fiquei profundamente tocada porque me sentia assim também. Por que tenho esse amor pela arte e não tenho a genialidade de um grande artista?

Ao longo da minha vida transitei por muitos compartimentos. Fui abrindo portas, janelas. Me tranquei em quartos escuros. Sufoquei nos Porões. Algumas vezes me abri. Deixei a luz entrar. Avancei um pouco. Recuei um tanto. Experimentei! Pintura em óleo sobre tela, teatro, dança, fotografia, arquitetura, design e literatura. Fiz de tudo um pouco (e um muito também). Quase tudo foi abandonado. Pelo excesso de julgamento. Menos o design e a escrita. Com eles ainda posso dançar, pintar novas formas, escrever texturas, inventar ranhuras, criar sensações, tecer pensamentos, descobrir caminhos, provocar reações. Posso SER. Quem sou. Múltipla!

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Abril — exercício 1 — Julgamento

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Deana Guimarães
Comunidade da Escrita Afetuosa

Arquiteta, Designer gráfica, escritora. Publicou "O Universo de João Curioso" (infantil) "Fio da Meada" (contos) "Entre Conversas e Silêncios" (Crônicas)