O espelho numa mesa de bar

Paola Lima
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJul 26, 2023
Photo by Steve Allison on Unsplash

Ele sorriu. Agradeceu. E seguiu com a conversa sobre os desafios do novo trabalho.

Não era essa a reação que Marina esperava.

Depois de reunir coragem e dizer o quanto sentia sua falta desde que ele trocara o escritório que dividiam por outro, em uma empresa maior, esperava uma reação mais pessoal. No fundo, esperava que ele sorrisse, como realmente fez, mas admitindo ter sentido a mesma saudade.

Marina ficou desconfortável. Não estava acostumada à rejeição. Desde muito nova, a despeito de nunca ter sido bonita, não tinha problemas com flertes. Uma boa conversa, um sorriso malicioso, poucas indiretas, pronto. As amigas costumavam provocá-la pela facilidade com que conquistava os alvos que escolhia.

Isso era passado.

A realidade neste momento se mostrava bem distinta: 50 anos, um ex-marido, um filho adulto, calores da menopausa e zero sex appeal, como provava a conversa impessoal sobre novos projetos de uma nova empresa que se desenrolava à sua frente.

Quis ir embora. Não pelo coração partido. Àquela altura, o coração era tão remendado que se tornara uma massa maleável. Difícil quebrá-lo novamente. O que doía era a perda da imagem que tinha de si. Envelhecera.

Nunca havia pensado sobre envelhecer. Ingenuamente, na sua cabeça, passaria de mulher adulta a vovozinha, sem precisar encarar essa fase madura. Que diferença haveria entre ter 30, 40 ou 50 anos quando se é casada e feliz? E quando não se é mais?

A resposta doeu na mesa do bar. Os cabelos brancos, as primeiras rugas, os quilos extras. O garçom a tratando por senhora. A indiferença no olhar do outro lado da mesa. Respirou fundo e concentrou-se na conversa. O novo projeto da nova empresa, apesar de tudo, era interessante. Deixou o lado profissional conduzir o resto da noite. Deu boas ideias. Riu das piadas corporativas. Assentiu em tomar outra cerveja em breve para comemorar o sucesso da empreitada.

Marina não estava mais lá. Refugiara-se em sua própria mente. Ainda era saudade o sentimento que a guiava naquela fuga. Saudade de si mesma. Da Marina jovem, confiante, que acreditava ser possível abraçar o mundo e dançar com ele. Da Marina que provocava e ardia em paixões.

Pagaram a conta, se despediram. Ela seguiu para a casa 20 anos mais velha. O tempo lhe alcançara num boteco da moda. Ainda bem que nem baixara o famoso aplicativo de celular.

No dia seguinte, adotaria um gato.

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