O Exercício que Para o Tempo
Chego para a aula de musculação, no relógio são 16 horas e 45 minutos. Vou direto para a sala adiantar meus 10 minutos de exercício aeróbico, com sorte consigo fazer 1 ou 2 minutos a mais. Sento na bicicleta às 16 horas e 48 minutos; começo acompanhada do celular, para ver se o tempo passa mais rápido (spoiler: não passa). Inicio o cronômetro e nas redes sociais, grupos de WhatsApp e algumas newsletters acumuladas para ler.
Enquanto os outros alunos chegam, torço para que seja uma aula tranquila; dizem que sonhar não custa nada. Olho para o celular, 17 horas em ponto. Foram 12 minutos pedalando. A professora chega logo em seguida, com um sorriso largo no rosto, dando boa tarde e, só de olhar para ela, só consigo pensar que hoje será uma aula puxada demais.
“Já fez a bicicleta?! Ótimo, pode fazer prancha então. 3 vezes de 1 minuto tá?!”. Ela pede, ainda sorrindo para mim. Claro, não é ela que será torturada hoje.
Ah, a prancha. Bendito exercício. Certamente, quem inventou não deve ter ido para o céu. Pego o colchonete e me deito de barriga para baixo. Com o cronometro aberto na tela do celular, começo o exercício.
1 segundo, 2 segundos.. começo a contar mentalmente, ficar olhando a tela do celular é agoniante, 15, 16, 17… o tempo continua. Só mais 30 segundos, penso. Abro os olhos, e me espanto ao ver a tela do celular que ainda está em 10 segundos.
Como um exercício pode fazer o tempo parar? Acho muita falta de respeito da parte dele. Depois de longas 2 horas ali, com os braços quase caindo, o cronometro toca e eu agradeço pelo 1 minuto de descanso, que, num piscar de olhos, passa mais rápido do que o papa-léguas em câmera lenta.
Respiro fundo, me arrependendo profundamente de ter ido para a aula. Mais 1 minuto de prancha. Inicio o cronometro, e decido focar na conversa em aula, e não ficar contando. 1 segundo, 2, 3..
A conversa flui. Uma aluna conta, detalhadamente, sobre seus vizinhos do andar de cima. Como eles são barulhentos 24 horas por dia, comenta também que já acordou de madrugada com barulho de crianças brincando. A professora responde indignada. Olho para o cronômetro, 2, 3, 4 segundos.
Me mantenho focada na conversa. A aluna já não sabe mais o que fazer — assim como eu não sei como fugir dessa prancha. Ela comenta sobre a quantidade de reclamações com outros vizinhos, síndico e conselheiros. Entro na conversa, tentando ignorar o meu abdômen tremendo. Compartilho a minha indignação com a colega, que também foi obrigada a sofrer com o mesmo exercício.
Olho o cronômetro, 15 segundos. Resolvo desistir por um período, que não passa despercebido pelos olhos de lince da professora. Escuto meu nome.
“Cynthia! Não desiste não. Falta quanto tempo?” Me controlo para não responder o que quero, enquanto olho para o cronômetro.
“Faltam 25 segundos”, resmungo e continuo — tentando — me manter intacta. Dessa vez, acompanho os segundos — 37, 38, 39.. — Talvez observando os números, o tempo vai mais rápido. As pernas tremem, acompanhando o restante do corpo que está na ânsia de que essa tortura acabe logo. Faltam 10 segundos. Desisto.
Meu último minuto de descanso. É preciso aproveitá-lo com muita sabedoria, ou, a próximo prancha será horrível. A conversa da vez, é sobre viagens, a professora comenta sobre sua última ida à praia. Olho para o cronômetro, já passou mais de 1 minuto.
Volto para a posição de prancha. 1 segundo, 2 segundos, 3… A última. Junto todas as minhas forças nos braços para poder aguentar 1 minuto. Volto a ignorar o cronômetro. Escuto a professora perguntar se estou sentindo o abdômen; respondo apenas com um olhar fuzilante, que ela responde com uma risada.
“Cê ri por que não é você aqui né?!” respondo tento demonstrar coragem para os exercícios que poderiam vir depois. Olho para o cronômetro, 4 segundos, 4 e meio, 5 segundos… Esse cronômetro só pode estar brincando comigo, penso.
Eu não sei o que acontece na última parte desse exercício. O último minuto é o momento mais crítico; além de agoniante, dura mais tempo. Deveriam fazer um estudo científico sobre isso; entender os motivos dos relógios pararem misteriosamente — 6 segundos. Tento me concentrar na conversa em aula, mas, o corpo treme tanto que eu não consigo escutar mais nada. O cronômetro paralisou ali, em 6 segundos mesmo, pelo jeito achou um número confortável para ficar. Penso em desistir — 8 segundos.
Tento esquecer a tortura. A conversa parece ser sobre viagens ainda. Despenco no chão, mas levanto logo — 17 segundos, 17 e meio, 17.8. A professora conta uma de suas aventuras em uma trilha e acampamento; o outro aluno fala sobre ter corrido em uma trilha. 18 segundos. Eu, digo que acho os dois muito corajosos, não vou em uma trilha por nada, nem que me paguem. Nem por um pote de ouro do fim do arco íris. 19 segundos. Volto a reclamar do exercício. 21 segundos, ainda.
Tento mudar o meu foco e começo a pensar sobre os textos que preciso escrever e sobre a compra de mercado do mês, 22 segundos e meio. Penso em desistir. Começo a me perguntar o que poderia ser pior do que uma prancha, 23 segundos. Se eu parar, será que alguém vai notar?
Aparentemente a professora lê minha mente e escuto “não desiste não!”. Ainda nos 25 suados e míseros segundos. Desisti. Estatelada ali mesmo no chão, começo a reclamar. Não. Quero. Voltar. Mas sou brasileira, e não desisto. Levanto, 32 segundos. Começo e pensar que só faltam 28 segundos. Agora 27 segundos.
O cronometro empaca. Eu perco a força. Vou pro chão novamente, e o cronometro anda. Faltam 18 segundos. Penso que alguém deve estar fazendo graça comigo. A professora, com esperança tenta me motivar a ficar mais 10 segundos. Olho pra ela, “não, tô ótima aqui mesmo”. 5 segundos, 4, 3.. acabou.
Cansada, levanto feliz que tudo acabou, e sigo confiante com os próximos exercícios. Porém, ingênua que sou, nem reparei que o pior ainda estava por vir. Era mais fácil ter ficado em casa mesmo.
Texto para Comunidade de Escrita Afetuosa
Exercício 3: Escrever tendo como referência a estrutura.
Agoex3