O gafanhoto gigante

Marina C. Leonel
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readAug 24, 2023

O despertador tocou estridentemente as seis horas da manhã. Acordei, lavei o rosto, coloquei as lentes de contato. Vesti minhas roupas de academia e fui para a cozinha. Pedro, que é do tipo que só acorda depois do balde de café, havia levantado 10 minutos depois de mim e também seguia o seu ritual matinal. Uma terça-feira totalmente comum no nosso pequeno apartamento paulistano.

Coloquei a mesa e peguei a frigideira para fazer os ovos. Foi só quando entrei na área de serviço para usar o lixo que o vi. Ele estava imóvel na janela de vidro, no canto superior direito.

Um gafanhoto. O gafanhoto mais imenso do universo.

Fechei a porta da área de serviço mais rápido que um raio e precisei de alguns segundos para me recuperar do susto. Decidi imediatamente que em hipótese alguma lidaria com aquela situação sozinha.

-Pedro — disse muito calmamente, enquanto ele lavava o rosto no banheiro. Não queria piorar ainda mais o seu mau-humor matinal. — Preciso avisar que o maior inseto que eu já vi na vida entrou na nossa área de serviço.

Sem dizer uma palavra, Pedro enxugou o rosto e caminhou emburrado para a área. Abriu a porta, constatou a presença do titânico invasor e soltou um palavrão. Em seguida fechou a porta, como se nada tivesse acontecido, e seguiu com a sua rotina. “Vamos deixar a natureza agir”.

Pedro tem uma regra que chama de “lei da não intervenção”. Ela consiste basicamente em não lidar com problemas urgentes e torcer para que eles se resolvam sozinhos. Como aquela lâmpada que vive com mau contato e, de repente, em um belo dia, volta a funcionar normalmente. Para mim, imediatista que sou, essa regra é bastante enlouquecedora. Pensei em argumentar que minha pilha de roupas para lavar era bem urgente, mas como sabia que Pedro não resolveria nada antes do seu copo de café, e eu definitivamente não iria dividir o espaço com meu novo amigo gafanhoto, decidi acreditar na ajuda da mãe natureza. Mais cedo ou mais tarde ele haveria de sair pela janela aberta, certo?

Errado. O dia foi passando e a infeliz criatura estava determinada a se mudar de mala e cuia para o canto da janela. A essa altura, as roupas sujas gritavam pela nossa atenção, e o saco de lixo que havíamos providenciado ao lado da porta (uma vez que o cesto principal ficava em área inacessível) estava em estado de alerta. Tempo esgotado para a mãe natureza.

Resignados com o confronto iminente, procuramos por sabedoria nas orientações de uma especialista. Minha sogra mora em uma fazenda no interior do Tocantins, e é frequentemente obrigada a lidar com insetos de todos os nomes. “Chinelo, vassoura, ou um SBP mesmo”, nos aconselhou por telefone. Era hora de agir.

Pedro optou pela vassoura e segurou a arma na mão, como se estivesse empunhando uma lança. Se preparou mentalmente e saltou pela cozinha freneticamente para aquecer o corpo.

Criou coragem.

Escancarou a porta da área de serviço.

Por um momento ficou imóvel, em posição de ataque, encarando o gafanhoto.

-Decidi tacar o chinelo. — E fechou a porta da área novamente, sumindo em direção ao quarto.

Voltou com uma bota masculina enorme e pesada, o maior par de sapatos que havia na casa. Abriu a porta com determinação renovada, dessa vez, sem retorno. Tacou um sapato seguido do outro. Foram dois minutos de gritos, desespero, tapetes voando e uma vassoura quebrada. O gafanhoto foi abatido.

Eu ajudei da melhor forma que podia: filmando tudo. O que foi um verdadeiro deleite para os grupos de WhatsApp da família. Só tem um detalhe. Estava tão nervosa que não consegui filmar o gafanhoto gigantesco. Então quase ninguém acredita quando eu e o Pedro, mesmo jurando de pé junto, relatamos que o gafanhoto era do tamanho de um bebê humano.

Mas não nos deixamos abalar. Só nós podemos julgar as provações que passamos naquele dia. Seguimos fortes, encarando as adversidades e os desafios da vida com bravura. Torcendo por um futuro sem confrontos. E sem visitas de insetos que descendem do próprio Godzilla.

Esse texto foi escrito para a Comunidade da Escrita Afetuosa
Poente — módulo 3 exercício 2
Escrever um texto com humor

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