O meu desatino é andar sozinho.
Certa vez estava voltando da construção e encontrei um camarada que conheço de vista. Cumprimentou-me acompanhando em meu trajeto. Começou a exibir seu canto admirando a lua que contrastava no céu escurecendo.
O trajeto era curto e estava cansado, batia minhas asas desajeitadamente e sem querer espirrei barro em suas penas. Foi o suficiente para que ele interrompesse sua interação. Calou-se.
“Desculpe. Tive um dia abarrotado” — disse me consertando.
“Tudo bem, só estava preenchendo o silêncio, deixa pra lá.” — respondeu limpando-se.
Na manhã seguinte, toda a floresta já estava me chamando de João de Barro. Nem me importei com isso, contei o ocorrido aos colegas de trabalho que por gozação começaram a me chamar assim.
Se consultarem o dicionário, vão encontrar várias descrições a respeito desse nome que virou enredo para muitas lendas também.
O fato é que ninguém gosta de apelidos, ainda mais se tratando de algo tão grotesco como barro. Mas faz sentido pela forma desagradável que deixei as penas daquele pobre acompanhante.
Agora…adicionar João já é demais! O insolente podia pelo menos se certificar de que meu verdadeiro nome era Rufus antes de falar mal de mim.
Já que expliquei meu apelido, posso te contar minha história. Sou um grande arquiteto. Construí minha própria casa. Vivia só, até encontrar meu par perfeito.
Furnara tinha olhos de cigarras, oblíquos de ressaca mas que na verdade ninguém conhecia exatamente quem era. Foi amor a primeira vista e casamento na segunda. Trouxe para nosso lar. Tudo parecia perfeito até que tivemos nosso filho.
No início as mil maravilhas. Quanto mais nosso filhote crescia maior era a diferença de nossa espécie. Gostava de cantar ao luar, não era de trabalho pesado. Um verdadeiro galanteador. Lembrara muito o fofoqueiro que me apelidou.
Aos poucos o estranhamento entre nós era mais visível e com isso uma pontinha de desconfiança foi se transformando em obsessão. Comecei a ligar os eventos passados, o comportamento de Furnara que abria suas asas para o passarinho futriqueiro. Não gostei do que percebi.
Meu sentimento de obsessão me dominara completamente, a raiva tomava conta de meu coração. Não resisti às paranóias e quando menos percebi, a maldição da lenda dos Barros caíra sobre minha família.
Certa noite, imerso em meus pensamentos torturadores, disparei a trabalhar em minha casa. Outra característica da minha espécie é refugiar-se no trabalho.
Queria me cansar fisicamente para pelo menos cair em sono profundo e não discutir de novo com Furnara. Quando dei por mim, havia fechado nosso ninho de amor com barro e palha.
O dia amanhecia e livre das abominações da véspera, notei sua ausência. Cheguei à conclusão de que havia me deixado, cansada de todas as tormentas que fizera suportar.
Diante de total abandono, decidi me mudar para um novo lugar e recomeçar a vida. A parede que havia construído na casa fechara não somente nosso ninho de amor, mas também meu coração.
Sem olhar para trás, parti ranzinza e sem alegria de viver tomado de uma eterna amargura.
#Fevex1