O mundo em minhas mãos

Ana Paula Correa
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readMar 27, 2024

Confesso que achei esse exercício o mais difícil. Quase desisti de escrevê-lo. Mas me fiz uma promessa no início do ano que, por pior que fossem meus textos, ainda assim entregaria. Mesmo que seja motivo de risadas constrangidas das inúmeras colegas talentosas desse grupo, decidi arriscar.

Não existe nenhuma parte do meu corpo que eu ache digna de ganhar um texto. Papai do céu não foi generoso com minha casca terrestre. Diria até que ele estava em sono profundo quando o sêmen de papai encontrou o óvulo de mamãe. A merda foi feita. De criança até dava para enganar. Mas com o passar do tempo, minha deficiência física só progredia. E assim fui entortando e perdendo força e tônus muscular. Sempre escutei muito: nossa, que sorriso lindo! Pensei em falar da minha boca. Mas aí olhei no espelho e vi que meus dentes de baixo estão muito abertos. Nem aparelho consigo colocar porque estou perdendo a abertura da boca. Minhas pernas são tortas, meus pés, devido a falta de movimentos, encurvaram pra baixo. Nem salto alto posso usar. E também não faria muito sentido visual um salto alto e belíssimo em alguém sentada em uma cadeira de rodas. Poderia falar do meu cérebro- que me fez passar em dois concursos públicos. Mas a tarefa não era essa. Conforme fui digitando (no celular, porque o uso do teclado se tornou impossível para mim) e pensando. Bingo. Achei meu pedaço do corpo que ainda me orgulho e me é muito útil: minhas mãos.

Elas são pequenas, com a pele que a recobre bem lisa e fina. Mãos de quem nunca fez trabalho braçal. Mãos de quem nunca usou produtos químicos pra lavar roupas ou louças. Mãos essas que não tem força muscular nenhuma. Nem para pegar um copo de vidro cheio de água. Mas a pouca força que ainda tenho consigo digitar maravilhosamente. Através dos meus dedos, consigo ganhar o mundo. Com meus dedos pequenos ganhei voz. Voz de escritora. Quando pequena achava minhas mãos feias comparadas com as das minhas primas e irmã. Sonhava em ter dedos de pianista. Unhas naturalmente grandes e quadradas. Entretanto, elas sempre foram curtas e quebradiças. Há dois anos, me dei de presente uma manicure com unhas de fibra de vidro. Nunca mais voltei a ter unhas feias. No início foi estranho digitar com as novas garras. Com o tempo, fui moldando o formato e o comprimento. Hoje elas me ajudam na autoestima. Uma mulher com a manicure bem feita não quer guerra com ninguém. E também não foge de uma, mesmo sabendo que pode quebrá-las.

Com meus pequenos dedos e unhas feitas, ganhei amigos, leitores, companheiras de jornada. Ganhei o mundo.

Marex3

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