O pai de Fábio
Nunca soube o nome, não sei se me foi dito e eu esqueci ou realmente ele sempre foi mencionado como o pai de Fábio. Só sei que ele é o pai de meu amigo Fábio, o caçula temporão, de mais um casal de filhos, sogro de Indhira e avô de Joaquim. Ficou viúvo cedo e com a perda da esposa, perdeu também o modo que se comunicava com o mundo através de mãe de Fábio.
Pai de Fábio é um homem magro, franzino porque é de comer muito pouco, estatura média, pele branca, cabelo ralo e olhar que não olha no olho. Homem bronco, de palavras raras o que o torna uma pessoa quase que incomunicável. Quando fala é pra mandar ou pra brigar e os insultos saem fácil pela boca do velho ranzinza que não gosta de gente. Não tem amigos mas tem lugares preferidos que sempre vai e é conhecido, não pelas conversas, mas pela presença assídua nos mesmos dias da semana, sempre no mesmo horário e sem nunca mudar o pedido feito; a mesma meia porção do prato de arroz, feijão e batata frita acompanhado de coca-cola saída da prateleira, sem gelo porque quer ela fresca (mesmo no calor recente de quase 40 graus) servido no copo americano. Ele senta na mesma mesa, que seu Zé já deixa ali separada pra ele e que foi a única mesa que não trocaram a cadeira velha por conta de pai de Fábio. Quando aponta na esquina já sabem que é pai de Fábio chegando, usando o mesmo boné velho amarelo desbotado de Porto de Galinhas que Joaquim apelidou quando criança do boné da Galinha Pintadinha; a camiseta amarelada, surrada e furada que os filhos jogam fora mas que ele encontra sempre mais uma escondida entre os objetos acumulados por anos pela casa e que ele não deixa ninguém jogar e nem limpar. As camisas e camisetas novas dadas de presente pelos filhos foram se amontoando no armário durante meses até que eles desistiram e pararam de comprar. Só as desbotadas e furadas são levadas pra passear, não tem negociação.
Pai de Fábio fez 93 anos outro dia e outro dia ele caiu e trincou a bacia. Mesmo com dor e a bacia trincada o velho ranzinza não para quieto. Levanta, anda, quer sair, quer arrumar o portão e a parede descascada. Quer subir na escada, quer cortar o galho da árvore, quer agachar pra colocar a ratoeira do rato que só ele mesmo vê. Ninguém convence pai de Fábio que desse jeito o osso não vai calcificar e ele diz que se não colocou gesso é porque nada grave aconteceu com ele. Esse fim de semana, Fábio e Joaquim foi visitá-lo e depois de muito tempo sem falar, levantou de sua cama mesmo com a recomendação de não se locomover sozinho, andou até a sala e falou: “Fábio, eu estou paraplégico e não sei o que vou fazer e o que vocês precisam fazer, acho que agora eu vou precisar de uma faxineira porque não consigo mais andar”. Deu as costas e saiu andando de volta para o quarto. Os dois riram.
Todos os fins de semana vou visitar meu amigo Fábio e seu filho Joaquim. Eles acabaram de perder a esposa e mãe, a minha melhor amiga, Indhira. Nas visitas sempre tem histórias para contar do pai de Fábio e é através delas que conheço ele. Entre a dor e o vazio da perda nos divertimos e nos apegamos a vida vivida do velho ranzinza de 93 anos que dentro da sua louca sanidade e nenhuma vontade de conviver com humanos, nunca foi informado da morte de sua nora que era a única pessoa que ele olhava no olho e falava sobre a vida. O motivo ninguém sabe mas eu suspeito que ela foi a escolhida pra ser o modo que ele se comunicava com o mundo depois da morte da mãe de Fábio. Homem sábio!
MarEx2