O sorriso
Ontem deitei com meu filho. Está de férias, ocupando na cama o lugar habitual do pai. De repente, mais um murro. Dessa vez, no meu nariz. Enquanto o sono o abraçava, me acertou. Era o segundo nocaute. Em menos de vinte e quatro horas. Ainda desnorteada, afastei os bracinhos sonolentos pra longe de mim.
Há pouco mais de um mês, o golpe me deixaria brava. A paciência estava tão curta quanto o meu entendimento. Aos sete, julgava estar numa espécie de pré-adolescência infantil. Primeiro setênio dizendo adeus. Mágica. Fantasia. Toda a lindeza do mundo se despedindo de uma cabecinha que se irrita facilmente, rivaliza por atenção, faz e-xa-ta-men-te o oposto do que eu e o pai pedimos. Inclusive, não comer.
A psicóloga aplicou uns testes. Segue os comandos na escola? Sim. Se defende em situações de conflito? Sim. Se relaciona com outras crianças? Sim. À medida que as inúmeras perguntas iam se aproximando do fim, a constatação. O problema somos nós. Apesar de ser fã de Freud, na minha opinião o inventor da roda do mundo abstrato, no que se refere à culpa da mãe, ouso em discordar. Mas alí, diante daquelas marcações em Bic, tudo pareceu desandar em nãos e mais nãos expressos, gritados pelo meu menino, entre quatro paredes.
Depressão pós-parto. Saí do hospital com aquela criaturinha perfeita no colo. Não era brincar de boneca. Era criar. Educar um ser humano. Tarefa sobre-humana. Tantas possibilidades de erro. Mundo às avessas. Surtei. Me encolhi num casulo, levando minha cria pra dentro do esforço em tecer um entorno de seda. Da mais pura linha. A mais confortável do mundo!
Mas eis que chegou o dia em que o meu, sim MEU serzinho começou a ter vontade própria. Queria romper os fios que, cuidadosamente eu enrolava no seu corpo. O feijão ficava no prato. Nos aniversários, grudava em mim. Esportes coletivos, nem pensar. Chamava dez vezes para o banho. Aparecia com um brinquedo. Um biscoito. Um desenho. Menos com a toalha. Transtorno de deficiência de atenção. E hiperatividade. Disse a profissional, com voz de água com açúcar, como se quisesse nos acalmar. Ao contrário do meu marido, não pretendi questionar. Além do diagnóstico ser menor do que a realidade, vi um norte.
Primeira providência: rodinhas que se prendem no tênis.
A manhã foi intensa:
Paft!
Joelho ralado = Seu brinquedo chato!
Pou!
Cotovelo arroxeado = Não quero mais!
Gritos. Quedas. Impaciência.
Enquanto eu tentava me concentrar, tentando finalizar uns cálculos no computador, ouvia a conhecida sinfonia subliminar, o Cântico Mamãe Ajuda. Não cedi. Não abandonei meu mundo para entrar no dele. Mas ele não entregou os pontos.
Sozinho, resistiu.
Por conta própria, persistiu.
O barulho do rolamento sobre a cerâmica = a trama do casulo se desfazendo.
Aquele dia = o início de um novo caminho.
Mãe, olha, eu consegui!
Mirei no fundo dos olhinhos. Reluzentes, sorridentes. Claro, filho, você consegue!