O velho jovem.

Aline Shirazi Conte
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readNov 13, 2023

Sua idade, indecifrável. Lhe caí as rugas nos olhos, bochechas já pendentes e uma boca pouco convidativa. Percebe-se a vergonha (ou a não vontade?) em sorrir. Se pendura na barra do ônibus lotado, em um sábado infernal. Os braços fortes de quem faz academia diária — desconfio que não fizesse. Se separasse o corpo da cabeça, de certo o corpo não teria nem 30 anos. Talvez por isso não recebeu nenhuma chance de sentar, talvez nem esperasse que assim fizessem. Tirou o boné verde desbotado, enxugou as gotas que caíam no rosto. Fixou o olhar para o lado de fora, nem triste, nem feliz, como quem pensava em o que mais precisava resolver no dia. Visitaria a mãe, ainda viva, que tinha tirado o pão da própria boca para que ele sobrevivesse? Esperaria a esposa chegar do trabalho fazendo um almoço fresquinho para recebe-la? Compraria sorvetes para o neto que o visitava todo final de semana? Ou seria apenas um homem solitário que chegaria em casa, sentaria no sofá, comeria um macarrão instantâneo na frente da televisão? Não, não, isso com certeza não. Ele tinha o semblante de quem vivia, se emocionava, se mexia, conhecia o mundo. ô se conhecia, dá para ver em seu rosto ligeiramente inclinado olhando as ruas. Pensa no futuro — não no passado. Pensa nas tarefas acumuladas, em agradar alguém, em ser útil. Ele de certo conhece o mundo, as pessoas, e desconfio fortemente que tenha um bicho. Sim, um cachorro ou um gato, não sei precisar, mas um bicho que esconde dos outros o tamanho afeto que sente, de certo, sua saída foi para comprar ração e agrado para o bichano que o esperava na sombra de uma árvore que ele plantou muitos anos atrás, em um casinha pequena que ele tem perto da minha casa. Ele está voltando para casa, sim, agora tenho certeza, a boca dá uma pequena puxada para cima, de quem se alivia que falta pouco. O ônibus para, ele desce. Recoloca o boné na cabeça, a mochila nas costas e anda com as costas erguida, com o rosto caído. O velho jovem vai para casa visitar seu bichano na sombra da árvore.

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Aline Shirazi Conte
Comunidade da Escrita Afetuosa

Leitora, Mãe, formada em Gestão ambiental, mestre em ciências, quero ser escritora quando crescer. Amo animais, pessoas. Depressiva, ansiosa. VIVA porém.