Para descobrir o que ainda não sei

Clô Azevedo
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJan 20, 2024

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Final de ano escolar. Meus dedos remexiam rapidamente as páginas da caderneta de notas, ao mesmo tempo que sentia os olhos atentos deslizarem por entre os resultados. Lembro bem daquela sensação de expectativa misturada com um perseverante frio na barriga. Ansiosa para saber se tinha alcançado média suficiente para passar de ano, e poder me declarar oficialmente de férias.

Era dezembro e logo janeiro. A pausa mais esperada do ano. Tempo de me permitir experimentar de verdade toda a imaginação represada pelo ano letivo. Gostava da sensação de liberdade das regras ditadas pela minha mãe. Nas férias, era eu que reinava. Botava a prova minha criatividade, com o grande desafio de brincar um dia diferente do outro.

Eu montava cabaninha. Era das brincadeiras que mais amava. Minha mãe me deixava pegar a colcha de casal que forrava sua cama para fazer a cobertura. Com as franjas enganchadas nas grades da janela do quintal, eu esticava a outra extremidade, e prendia através de um nó bem apertado nos pés de uma mesa grande que ficava na garagem.

Queria uma casinha de verdade. Só pra mim. Minha mãe me deixava trazer algumas mantas para cobrir o chão, almofadas do sofá para me acomodar e alguma decoração da sala que pudesse ajudar a contar um pouquinho da minha pequena história de vida.

Ao meu redor, acomodava minhas caixinhas de bijoux para serem montadas, bonecas descabeladas e suas muitas roupinhas, minha coleção de recortes de revistas, vitrola e discos de historinhas. Me envolver das coisas que gostava era a forma que eu encontrava para construir meu mundo imaginário. Assim começavam as minhas férias.

E tantas se passaram desde então.

Confesso que neste janeiro, me permiti a reviver a mesma sensação daquela menina ansiosa e com frio na barriga na expectativa de pausar e mais uma vez entrar na cabana imaginária. Lembrei da profundeza e da segurança que esse pequeno mundo que eu criava me trazia.

Porém dessa vez não levei meus brinquedos. Levei minhas emoções. Meus pensamentos, contemplações, divagações, coisas inúteis que acumulei esse ano, coisas que quero dizer não, e também as que digo sim. Misturei tudo para me refazer. Como uma receita de bolo, fui adicionando os ingredientes para amadurecer e fazer crescer as intenções no calorzinho do afeto.

Não é fácil se renovar. Dá trabalho! Aaa se dá! Criar circunstancias que me permitam alcançar um estado de equilíbrio capaz de lidar com o caos que é inerente a vida, é essencial para mim. Eu não sei onde tudo isso dar. O que me acompanha agora é a confiança no que me permiti ficar. E a certeza. De que terei a coragem de continuar sendo eu mesma, e encontrar um caminho para descobrir o que ainda não sei.

desafio | janex1

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Clô Azevedo
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Ajudo pessoas a contarem suas histórias através de seus ambientes.