Pode entrar
Miguel nasceu na pandemia. Celebração da vida. Luto. Ambiguidade de sentimentos que nem sei, se sei, descrever aqui. Tá, talvez eu saiba. Mas não quero. Não por agora.
Paralelo a chegada do filho mais novo, adaptação na morada nova. Nossa amada casa nasceu um pouco antes dele. 5 meses para ser mais exata. Posso dizer que gerei duas vidas ao mesmo tempo. O lar e o filho. Durante a construção de ambos, a empolgação de ir para um abrigo maior. Mais espaço. Mais um integrante na família. Mais encontros com os amigos. Mais cafés da tarde na varanda. Mais que virou mas.
Miguel nasceu na pandemia. Porta fechada. Solidão. Puerpério. Luto. De novo. Pelos familiares que se foram. Pelos estranhos que não conheci. Pelas despedidas que não fiz.
Assim, se passaram dois anos. Numa casa nova, que nem campainha tinha. E se a entrada de um lugar é nosso cartão de visitas, voilà. Não estava pronta para me apresentar. Nem para receber ninguém. Ninguém além de mim mesma.
A ausência da campainha me lembrava do quanto estava fechada em minha bolha. No casulo que acolhia meus próprios sentimentos. Abraçava minhas inseguranças. Dissolvia as dores da saudade. Crisálida que se rompia lentamente. Enquanto uma vida crescia. Na minha frente.
Em meu pequeno mundo, metamorfoses diárias, ao estar junto, na primeira grande aprendizagem de uma criança que nem imagina que nasceu num ano que sempre será lembrado: 2020.
Os primeiros passos. As primeiras palavras. Uma nova sociedade que passou por profundas transformações.
Só em 2022 é que colocamos campainha. E toda vez que escuto seu barulho tocar, lembro a mim mesma que é seguro me abrir. Para o outro. Para o mundo. Para dar voz ao que sinto e me mostrar. Do meu tamanho. Sem querer me esconder, encolher ou me envergonhar. Sem medo de bater as asas. E voar.
Nesse sentido a escrita tem me ajudado. A pôr a casa em ordem. E a me sentir pronta para quando uma visita chegar. A propósito, é só entrar.
Auroramo2ex3
