Quem cuidará de mim?
Nasci quando ser trabalhadora era a maior qualidade de uma mulher. E eu trabalhei. Não para corresponder às expectativas, mas porque não existia a opção não trabalhar. Fui suporte para minha casa e para a casa de outros. Plantei e colhi. Lavei roupas. Limpei casa. Cozinhei. Cuidei de crianças. Vendo como eu era uma moça trabalhadeira, uma vizinha desejou que eu me casasse com seu filho. Ela supunha que eu seria boa esposa. Aos treze anos, eu trabalhava feito gente grande. Ela nem imaginava que a ideia de me casar e virar só esposa, dona de casa e roceira me amedrontava sobremaneira. O pavor era tanto que me motivou a escolher outro rumo pra seguir. Com isso inaugurei outra prática entre as meninas da minha comunidade: a de sair de casa para estudar e trabalhar.
Sou a filha mais velha dos meus pais. Nas famílias pobres, os filhos mais velhos ajudam a cuidar dos outros. Ajudei a criar uns cinco ou seis irmãos. Eu não tinha o conceito de justiça/injustiça, mas uma luzinha amarela dentro de mim sinalizava que era errado eu assumir a responsabilidade por crianças que eu não tinha feito. Mais errado ainda era eu perder sono, levar bronca e até porrada, quando não conseguia o desempenho esperado.
Essas experiências me privaram do sonho da maternidade. Eu nunca desejei ser mãe. Se eu gostava de criança? Sim, gostava. E ainda gosto. Mas não a ponto de querer uma para todo sempre sem fim amém. E não me acho egoísta por pensar assim. Criança, para mim, era sinônimo de trabalho desgastante, de muito cansaço e sono insatisfeito. Imaginem uma criança minha…
Havia outros fatores que me tornaram cuidadosa nessa matéria. Na década de 1980, seria trágico engravidar. Eu não tinha marido. Não tinha família perto, para me apoiar. Não tinha casa nem mesmo um emprego confiável. Um filho, nessas circunstâncias, comprometeria minha vida inteira. Seria o mesmo que lançar ao vento anos de trabalho e solidão e todos os meus projetos de vida. Todas as implicações de ter saído de casa menina, seriam invalidados. Além disso, como criar um filho para ser feliz, livre, com autonomia, responsabilidade e em segurança? Eu não saberia fazer isso. Decidi não facilitar. Lancei mão de “métodos” próprios de autoproteção. Tenho histórias engraçadas sobre isso. Daquelas que a gente não conta nem sob tortura.
Casei depois dos quarenta anos. Agora, sim, os órgãos reprodutores já estavam em dificuldade. Exausta das labutas, eu sonhava com a aposentadoria, quando, enfim, eu seria a dona do meu tempo e das minhas vontades. Ainda assim, os preocupados com a vida alheia de plantão questionaram: Não vai ter filhos? Não vai adotar? Não. Não vou. Deus não me deu filhos, não colocou em mim nem no marido o desejo da adoção. Quem, então, cuidará de mim na velhice, que tão de perto me espreita? Não sei. Posso enfrentar problemas quanto a isso. Mas não sou responsável por não ter gerado filhos. Sei, também, que ter ajudado a cuidar de filhos alheios, ter colaborado com a educação dos sobrinhos e ter sido presente em todos os momentos da família não me garante uma velhice tranquila. Meus irmãos também estão envelhecendo. Fato. Dá um certo medo. Não obstante, não tenho o controle sobre a situação. Não gosto de deixar à própria sorte o que me diz respeito. Mas essa, justamente essa, me escapa. Vou até pesquisar na internet sobre medidas que posso tomar, para amenizar os riscos de uma velhice difícil. Caso eu chegue lá.
(M. C. — 24.07.2024)