Querido diário…

Bruna Bittencourt
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readJan 29, 2024

Já tive alguns de você na adolescência. Talvez uns três ou quatro. Alguns mais gordinhos, recheados de entradas de cinema e papeis de bombom, recordações dos passeios com as amigas, outros mais cheios de fotos e imagens dos Backstreet Boys ou de alguma outra boyband de quem eu era fã na época. Muitos corações, colagens, adesivos, clips, canetinhas de diversas cores ilustrando as páginas, uma foto de uma paixão da adolescência guardada entre as folhas… mas poucas palavras. Confissões? Sentimentos? Ao que me lembre, quase nenhum — e ao revisitar isso, percebo a potência do que isso quer dizer. A falta de palavras e a dificuldade em expor emoções e sentimentos, até para mim mesma, já estavam em mim ali, aos 12, 13, 14 anos. Eu achava que elas saíam, eu tinha certeza disso, como por muitos anos achei, mas na verdade não. As muitas imagens em cada página, alternadas com folhas em branco, talvez estivessem ali justamente para ocupar um espaço que deveria (ou eu gostaria?) que estivesse a serviço das palavras. Das emoções. Uma confusão de imagens para disfarçar que nada estava de fato escrito. Ou, quem sabe, para parecer que algo estava escrito, sem estar. No fim, folhas em branco. Um diário que parecia ser um diário, visto pela capa — afinal, todas as adolescentes têm um diário, não é mesmo? — mas vazio de palavras por dentro. O quanto de mim mesma já estava ali.

Ao sair da casa dos meus pais, com pouco mais de 27 anos, encontrei dois diários guardados lá no fundo do armário do meu antigo quarto. Com cadeado e tudo, como se tivessem muitos segredos guardados. Que ironia. Os segredos, descobri há pouco tempo, estavam mais guardados do que eu imaginava. Tão fundos que nem de cadeado precisavam, porque não existe chave que dê conta de abrir as páginas da nossa própria vida. A gente vai descobrindo ela ao longo do tempo. Vai errando de chave várias vezes, testando uma que funcione, forçando as que claramente não se encaixam, até perceber que diário bom mesmo não deveria ficar trancado, escondido. Por que mesmo eu deveria escrever algo que ninguém poderia ler? Por que mesmo eu deveria esconder do mundo tudo o que acontece (acontecia?) dentro de mim? Talvez o melhor diário fosse aquele que pudesse ser compartilhado com quem nos ajudasse a compreender e atravessar aquela profusão de palavras — ou a falta delas, no meu caso.

O do Looney Tunes, que mais tenho lembrança (o que guardava a foto da paixão antiga) foi inteirinho para o lixo. Sem dó nem piedade. O outro também. Jogados fora como se aquela fase da vida não mais importasse. Guardavam lembranças infantis, que não existiam mais, que não faziam mais sentido, me lembro de pensar. Anos e anos depois reencontro essa paixão antiga (ainda que virtualmente) e não tenho uma recordação a mão para me lembrar daquele momento. O que mesmo eu sentia ali? Por que mesmo eu guardei aquela foto? E por que mesmo joguei fora? Em que momento mesmo eu achei que o meu passado não importava tanto como o meu presente? Será? Só me restava a memória (da foto e dos diários), essa também trancada por uma chave que nem sempre é fácil de encontrar — e que muitas vezes pode nos levar a páginas difíceis de ler. Será que era por isso que não tinha nada escrito ali? Que saudades do meu diário.

Exercício 2/ janeiro 24

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