sentir. lidar. curar.

Li Ambrosio
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readApr 12, 2024

“Não posso errar com você”
“Você precisa cortar este cordão umbilical”
“Sou sua mãe, não sua amiga”
“Parei minha vida quando você nasceu.”

D O R.

É o que sinto quando relembro a dependência emocional que tinha com minha mãe.

O fio condutor era claro: queria ser perfeita para que passasse a aceitar a filha que ela não queria; ganhar o títulode ‘amiga’ para além da filha. Eu queria que ela me enxergasse.

Ela se via na minha irmã: livre, dona de si, quase egoísta.
Chego à conclusão ao longo dos anos que a relação simbiótica entre elas é essa exatamente essa: minha irmã é a continuação da vida que minha mãe gostaria de ter tido.

Apesar de protagonizarem brigas severas, a admiração era sempre clara: olha onde sua irmã chegou, olha como é magra e linda, olha como tem sucesso!

Sempre fui silenciosa.

Cresci sem ser notada.

A ponto de quase morrer afogada no mar.
A ponto de quase ter meu corpo todo queimado em um chuveiro com torneira quente/frio — onde só abri o ‘quente’.
A ponto de me perder na praia e ninguém sentir minha falta.

Fui salva por anônimos todas as vezes.

De todas as frases, a de que precisava cortar o cordão umbilical era a que ouvia com maior recorrência. Por 20 anos, para ser exata.
Até que cansei.

Busquei terapia para me livrar de uma vez por todas desta dependência.

Nos processos terapêuticos, constelei esta relação.
Honrei, entendi o espaço de cada um no sistema. Chorei copiosamente por 7 dias seguidos. E recomecei minha jornada.

A escrita terapêutica passou a fazer parte do meu processo de cura.

O BOM DO AMOR” foi o nome escolhido para o meu blog por causa da letra da música de Cazuza — codinome beija-flor.

“Prendia o choro e agrava o bom do amor” é o que diz o verso que me inspirou.

Escolhi exercitar o dom de enxergar o belo e todas as transformações por trás dos momentos de dor.
Escrevia para o mundo, mas sem a pretensão de ser lida.
E assim foi durante muito tempo, até que as redes sociais passaram a fazer parte do cotidiano.

As amigas da minha mãe começaram a “me” ler, e ela passou a me enxergar com os olhos de admiração alheios.

Passou então, a verbalizar também sua admiração.

Que caminho tortuoso!

Entendi que as expectativas e dores eram minhas.
Ela fez o melhor que pôde dentro do contexto que a vida se apresentou.

Investigar o que dói e decidir o que fazer com isso passou a ser parte da minha vida, porque meu desejo é viver o melhor possível dentro da minha própria pele — e do meu coração. Aceitar minha totalidade, luz e sombra. Fazer o que é do meu desejo, sem pedir licença ou aprovação.

Aprendi, enfim, a ME dar o carinho que mereço.

E entendi que a ordem da vida é clara pra tudo aquilo que precisamos resolver internamente e externamente: SENTIR. LIDAR. CURAR.

Lillian Ambrosio — Comunidade da Escrita Afetuosa — Professora Ana Holanda
Abril de 2024, tema Julgamento

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Li Ambrosio
Comunidade da Escrita Afetuosa

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